Diretor de filme vetado pela Ancine denuncia ‘aniquilamento da cultura’
Exibição de 'A Vida Invisível', produção inscrita no Oscar de 2020, foi proibida pela diretoria da agência. Para Karim Aïnouz, ameaça ao cinema é criminosa
O diretor cearense Karim Aïnouz se pronunciou nesta terça-feira, 10, sobre a proibição imposta pela diretoria da Ancine à exibição do seu último filme, A Vida Invisível, em um programa de capacitação de servidores da agência. Por meio de uma postagem na rede social Instagram, Aïnouz afirmou que recebeu a notícia com “muito pesar e indignação”. Ele declarou que existe um processo de “aniquilamento da cultura” no Brasil e classificou o episódio como um ato de censura.
“Digo pesar, pois é triste testemunhar os desdobramentos de uma política tóxica e covarde, perpetrada por um governo catastrófico, que põe deliberadamente em xeque a cultura de um país tão abundante quanto o nosso. Digo indignação, porque as ameaças serão apenas ameaças e porque acredito, faço e continuarei fazendo de tudo para que a cultura circule à revelia dos que se apequenam e temem seu poder emancipador. Infelizmente já vi esse filme antes”, escreveu Aïnouz.
A Vida Invisível foi o filme brasileiro inscrito para a disputa do Oscar em 2020. O veto à exibição foi revelado por VEJA nesta segunda-feira, 9. O evento seria realizado na quinta, 12, e contaria com um debate entre os servidores da agência e um produtor do filme. A Secretaria de Gestão Interna da Ancine atribuiu a proibição a problemas técnicos com o projetor da sala de exibição. Mas, ao ser procurado por servidores, o funcionário responsável pela manutenção do local disse que o aparelho não estava quebrado.
Em sua postagem, Aïnouz fez críticas ao governo de Jair Bolsonaro e à condução das políticas públicas voltadas para a cultura. Ele disse que ‘A Vida Invisível’ é parte de uma safra de filmes que servem “como prova inconteste de que o fomento à cultura tem frutos grandiosos” e que representam a “diversidade do Brasil de maneira poderosa e positiva”.
“Não há meias-palavras para a censura – velada ou não – e para o aniquilamento da cultura. Não há meias-palavras para um governo do ódio, do boicote, do desmonte e da morte. Não há meias-palavras para uma política covarde que tenta se escorar na própria incapacidade e ignorância. Não há meias-palavras para a desinformação deliberada e a mentira como tática de um governo irresponsável que se agarra nas beiras de tudo que é falso”, afirmou.
Aïnouz considerou que a ameaça à vida do setor cinematográfico é uma ação criminosa. “Não só nos termos da importância da indústria pujante que é o cinema nacional hoje, gerando milhares de empregos, mas também e, principalmente, se entendermos a importância crucial que a cultura exerce na sociedade. A cultura é o que nos possibilita acreditar na dignidade coletiva. Ela desarma o horror”, declarou.
Entre as atrizes que atuam em A Vida Invisível está Fernanda Montenegro, que foi xingada de “podre” e “mentirosa” pelo atual secretário de Cultura, Roberto Alvim. Ele hostilizou a atriz em setembro, quando exercia o cargo de diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte. Alvim havia se irritado com uma capa da revista ‘Quatro Cinco Um’, na qual Fernanda Montenegro aparecia vestida de bruxa e em cima de uma fogueira de livros.
O filme de Aïnouz já foi premiado nos festivais de Munique e Lima e ganhou o título de melhor filme da mostra paralela Un Certain Regard (Um Certo Olhar) na edição deste ano do Festival de Cannes.