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Dinastia Habsburgo: os traços físicos da família imperial brasileira

Resultado de intercasamentos, as características da influente dinastia europeia transpassaram gerações até chegar ao último imperador do Brasil

Por Sergio Figueiredo Atualizado em 21 Maio 2021, 09h29 - Publicado em 21 Maio 2021, 06h00
A MARCA DA ASCENDÊNCIA - João VI e a mulher, Carlota Joaquina (no alto), carregavam os genes dos Habsburgo, mas o queixo avantajado só se manifestou nela. O filho Pedro I (acima) herdou os traços do pai. Leopoldina tinha o lábio inferior maior que o superior, outra marca da dinastia. Pedro II usava barba para disfarçar o atributo -
A MARCA DA ASCENDÊNCIA – João VI e a mulher, Carlota Joaquina (no alto), carregavam os genes dos Habsburgo, mas o queixo avantajado só se manifestou nela. O filho Pedro I (acima) herdou os traços do pai. Leopoldina tinha o lábio inferior maior que o superior, outra marca da dinastia. Pedro II usava barba para disfarçar o atributo – (Manuel Dias de Oliveira; Simplicio Rodrigues de Sá; Gravura Jean François Badoureau/Foto Romulo Fialdini; Ferdinando Krumhols/.)

A busca da pureza racial é um equívoco moral e científico. Em outras palavras: promover a reprodução contínua, geração após geração, entre indivíduos de um mesmo grupo não apenas tende a travar os mecanismos da evolução, como pode, ao longo do tempo, se tornar um problema de saúde pública. Casamentos entre ascendentes e descendentes (pais e filhos, avós e netos) e entre colaterais (irmãos) não só atentam contra a cultura coletiva como põem em risco a prole, sujeita à manifestação dos genes aparentados recessivos, nos quais se escondem deformações e problemas psíquicos. Esse conhecimento hoje é notório, mas não era assim na casa real de Habsburgo, uma das mais influentes da Europa no século XVII. A fim de manter a coesão do império e garantir que o cetro de poder jamais se distanciasse da família, arranjavam-se casamentos sucessivos entre primos — e eventualmente entre tios e sobrinhas — para perpetuar a linhagem, inclusive entre os monarcas que desembarcaram no Brasil. Recentes estudos científicos, contudo, começam a entregar um novo e fascinante olhar sobre os efeitos da consanguinidade e dos intercasamentos nas realezas. O mais recente deles, realizado pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), constatou que, quanto maior for a concentração de casamentos entre parentes, mais problemas a dinastia terá, resultado de evidentes dificuldades comportamentais de seus pares. “A consanguinidade foi um desastre para as famílias governantes e suas nações”, disse o pesquisador Sebastian Ottinger, um dos autores do estudo.

Habsburgo remonta ao início do segundo milênio da era cristã, no apogeu do sistema feudal. Originalmente era o nome do castelo da família, mas se tornou símbolo de poder absoluto quando Frederico foi coroado rei do Sacro Império Romano-Germânico, em 1452. Nos anos que se seguiriam, a dinastia governaria, além de Áustria, Alemanha e Países Baixos, a Espanha, onde os intercasamentos ultrapassaram os limites. Filipe IV, que já era fruto de união entre tio e sobrinha, também se casou com uma sobrinha, que deu à luz Carlos II, em 1661.

Três marcantes características físicas da família — o nariz baixo, o lábio inferior grosso e o queixo proeminente — ganharam proporções ciclópicas no rosto de Carlos, mas isso era o menor de seus problemas. Ele começou a falar tardiamente, aos 4 anos, e só conseguiu caminhar aos 8, devido ao raquitismo. Além de não poder mastigar direito por causa do chamado prognatismo mandibular, ele sofria de epilepsia e era infértil. Com sua morte, em 1700, aos 38 anos, acabou o reinado dos Habsburgo na Espanha. E, neste ponto, a trama fica especialmente interessante para os brasileiros.

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LONGE DEMAIS - Carlos II, fruto de sucessivos casamentos entre parentes: problemas para toda a vida -
LONGE DEMAIS - Carlos II, fruto de sucessivos casamentos entre parentes: problemas para toda a vida – (Juan Carreño de Miranda/.)

No ramo austríaco da casa de Habsburgo não havia mais varões para assumir o trono. Então, a herdeira Maria Teresa se casou com Francisco, da casa de Lorena, introduzindo mais sangue francês na família e fundando assim uma nova dinastia: a Habsburgo-­Lorena. A bisneta de Teresa, batizada de Leopoldina, se casaria, em 1817, com o futuro imperador Pedro I, trazendo sua linhagem para terras tupiniquins — o amarelo da bandeira brasileira advém da casa austríaca, assim como o losango, na heráldica, simboliza o feminino.

A arquiduquesa não tinha o queixo protuberante que marcou seus ancestrais, ainda que o lábio inferior fosse mais grosso que o superior. Ela não apresentava sinais deletérios de casamento consanguíneo: amante da música e das ciências, falava quatro línguas e aprendeu português em semanas. Sua contribuição para a independência do Brasil é motivo de discussão, mas definitivamente era amada pelos súditos. A morte prematura, aos 29 anos, chegou a ser associada à depressão provocada por problemas congênitos, tese hoje desacreditada.

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O queixo avantajado pode ter pulado uma geração, mas voltou a se fazer presente nas feições do imperador Pedro II — manifestação dos genes recessivos vindos não só da mãe, mas também do pai. Os Habsburgo eram tão hegemônicos na Europa que é possível rastrear casamentos entre eles na genealogia de Pedro I, tanto do lado do pai, o português João VI, quanto da mãe, a espanhola Carlota Joaquina. Vale pontuar que o lábio inferior roliço e o prognatismo eram sinais de nobreza. Mesmo assim, Pedro II adotou a barba que o acompanharia.

O casamento entre primos é tabu em boa parte dos países ocidentais, mas o código civil brasileiro não proíbe a união, pois são considerados parentes de quarto grau. O novo código, promulgado em 2002, deixou uma brecha jurídica para o casamento entre tios e sobrinhas. Do ponto de vista científico, há meios de mapear doenças hereditárias antes da concepção. As manifestações indesejáveis dos genes recessivos, porém, seguem o curso da probabilidade. Os membros da dinastia Habsburgo não sabiam disso. Quando decidiram jogar com a sorte, acabaram com a sucessão espanhola. Talvez devessem ter optado pela mistura com pessoas distantes e de fora do círculo restrito, como manda o bom senso.

Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739

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