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Cristo vetado e doces de suástica: como os nazistas sabotaram o Natal

Às vésperas da data, vale a pena recordar: nos anos 30, Hitler tentou abolir o "judeu" Jesus da festa, transformando-a em celebração do regime alemão

Por Amanda Capuano Atualizado em 4 jun 2024, 13h41 - Publicado em 22 dez 2020, 18h32

Não é segredo que a propaganda nazista, chefiada por Joseph Goebbels, foi fundamental para a expansão da influência de Adolf Hitler na Alemanha nazista, nos anos 30. Menos falado, no entanto, é o fato de quem nem o Natal escapou da ideologia do führer. A história começa com uma aversão previsível do nazismo ao Natal cristão: enquanto Hitler vendia a si mesmo como salvador da Alemanha e empenhava sua cruzada sangrenta contra os judeus, exaltar o nascimento de Jesus Cristo, uma criança de origem judia tida como salvadora dos homens, era inadmissível para o ditador. Mas a tradição natalina na Alemanha era forte demais para ser extinguida por completo, e o regime teve de se desdobrar para adaptar a celebração aos seus interesses de dominação. Em 2010, o Centro de Documentação Nacional-Socialista de Colônia lançou uma exposição especial sobre o Natal na propaganda política nazista, nomeada como “Von wegen Heilige Nacht!” (“Noite sagrada uma ova!”), e a história ganhou popularidade.

A primeira investida do governo foi tentar transformar a celebração em uma festa sem um significado ritualístico. Eles tentaram atrelar o inverno a um período de “caridade” do regime, criando campanhas para que a juventude hitlerista ajudasse alemães afetados pela crise e divulgasse seus feitos. Para a decepção da cúpula nazista, boa parte dos alemães seguiu comemorando o Natal normalmente. Isso fez com que o regime endurecesse sua intervenção natalina, resgatando antigas tradições pagãs germânicas, como o solstício de inverno – eles incentivaram a mudança do Natal para o dia 21 de dezembro, data do solstício,  e organizaram performances ao redor de fogueiras, argumentando que elas remontavam às origens das tradições natalinas do povo alemão. A celebração ganhou o nome de Julfest, e Jesus Cristo foi substituído pelo “menino solar”, um personagem mitológico que ressurgia de suas cinzas no final do inverno. Quem também ganhou novo nome foi São Nicolau: o santo que deu origem ao Papai Noel virou Wotan, uma antiga divindade germânica.

 

Cartão natalino durante regime nazista
Cartão natalino durante regime nazista (https://historiadeestaimagen.blogspot.com/Reprodução)

A mudança mais chamativa, porém, veio com a adaptação das músicas natalinas aos ditos “valores arianos”. Tradicionais em todo o mundo, as canções quase sempre fazem referência ao espírito cristão e ao nascimento de Jesus Cristo, lembranças indesejadas ao regime. Uma das mais famosas adaptações nazistas recebeu o nome de Exalted Night. A música é uma versão da famosa Silent Night – ou Noite Feliz, em português – criada originalmente em 1818, a partir de um poema do padre austríaco Joseph Mohr musicalizado por Franz Xaver Gruber. Na versão hitlerista, todas as referências a Jesus Cristo foram tiradas da obra e substituídas por exaltações ao regime e ao próprio Hitler. “Noite silenciosa, noite sagrada/Todos estão dormindo, solitários e atentos/ Adolf Hitler é o destino da Alemanha/ Nos guie para a grandeza, fama e fortuna/Dê a nós alemães o poder”, diz um verso da canção, que foi banida em 1945, mas seguiu entoada até meados dos anos 50, e hoje fica restrita a grupos neonazistas.

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Outra mudança no dito “Natal nazista” foi a distribuição de calendários recheados de propaganda militar para crianças. Havia ainda biscoitos natalinos em formatos de suásticas, e os tradicionais anjos e estrelas que adornavam as árvores foram substituídos por ornamentos com referências ao nazismo, como águias douradas e figuras solares que enfatizavam a propaganda do solstício. As estrelas, aliás, eram reprimidas porque, além de sua ligação com o cristianismo, também lembravam o símbolo do judaísmo – a forma de seis pontas costurada no uniforme dos judeus nos campos de concentração – e o da União Soviética, com cinco extremidades. Em entrevista recente ao History Channel, o historiador Joe Perry explicou que, com o tempo, celebrar o Natal de maneira tradicional e entoar os cânticos originais se tornaram uma espécie de protesto político. “Decisões aparentemente banais como cantar uma determinada música no coral de Natal ou assar um determinado biscoito se tornaram ou um ato de oposição política ou uma expressão de apoio ao nazismo”, explica.

Com o declínio nazista, próximo da derrota na II Guerra, as intervenções de Hitler no Natal se amenizaram, e o regime voltou todas as suas forças para as operações militares e seu poderio bélico. Hoje, a Alemanha celebra o Natal cristão normalmente, mas a tentativa inominável de apagá-lo persiste na memória dos mais velhos.

 

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