‘Coronel Fábio’ roubou o roteiro de Tropa de Elite 2
Milhem Cortaz diz que fez isso como um exercício de poder necessário à construção do personagem, que compara a Macunaíma: 'Ele não é um vilão'
“A Fátima e o Padilha eram o comando da polícia para nós, atores. Mas, no filme, eu não vou contra o sistema batendo de frente, eu uso da malandragem para me tornar dono da milícia no final do filme sem dar um tiro”
O segredo em torno de Tropa de Elite 2 foi tão bem guardado que nenhum ator teve acesso ao texto final do filme. Pelo menos, acesso autorizado. Milhem Cortaz, que encarna o coronel Fábio, um dos vilões do filme de José Padilha, revelou ao site de VEJA que tirou cópias do roteiro “em conta-gotas”, de 20 em 20 páginas, durante os ensaios com a preparadora de elenco Fátima Toledo. Entre uma e outra baforada de um dos 20 cigarros que fuma por dia, Cortaz contou que ter o roteiro completo foi um exercício de poder necessário à construção do personagem. “Saber uma história que o Brasil inteiro estava atrás era deter o poder. Mexeu com a minha vaidade. E a vaidade é exatamente o grande pecado do Fábio. Entender isso foi muito bom para a construção do papel”, explica, afirmando que acabou optando por não ler a joia que tinha em mãos. Preferiu seguir a proposta de Fátima e Padilha de trabalhar o personagem sem se prender ao texto ou ao Fábio de Tropa 1.
O ator ainda justifica a “esperteza” de roubar o roteiro como um ato de rebeldia contra o sistema estabelecido, semelhante ao que seu personagem faz no filme. “A Fátima e o Padilha eram o comando da polícia para nós, atores. Mas, no filme, eu não vou contra o sistema batendo de frente, eu uso da malandragem para me tornar dono da milícia no final do filme sem dar um tiro”. Para o ator, essa é a típica malandragem brasileira, que tenta levar vantagem na conversa, sem violência. Ele chega a afirmar que tem certeza de que a sua personagem se tornou comandante do batalhão sem nunca ter matado ninguém. “Ele não sabe nem atirar. No Tropa 1 ele vai dar um tiro para defender a vida e acerta o pé do outro policial. Ele chora quando o amigo morre. Quem está acostumado a tirar a vida de alguém não se emociona com a morte”, pondera.
Mudança no roteiro – Para defender o corrupto policial que vive na ficção, Cortaz recorre a Macunaíma. Compara o coronel ao anti-herói criado por Mario de Andrade, e diz, convicto, que ele não é um vilão, mas sim “um herói politicamente incorreto”. Faz referência também a sua experiência em Carandiru, de Hector Babenco. “Os valores das pessoas são diferentes. Eles lá não têm visão de futuro. Se você der a eles uma camiseta e pedir em troca para eles esquartejarem uma pessoa, eles vão lá e esquartejam. O que importa é retribuir o gesto”, diz. Essa visão do personagem foi discutida com os roteiristas e, segundo o ator, acabou sendo responsável por uma mudança no texto original de Bráulio Mantovani. Inicialmente, Fábio seria o grande vilão da história. Mas o papel acabou cabendo ao major Rocha, vivido pelo ator Sandro Rocha.
Para Cortaz foi um alívio, apesar de sua participação no filme ter encolhido. “Para mim o melhor trabalho do filme é o do Wagner Moura. Mas, dos novos, a grande revelação para mim é o Sandro. Eu fico feliz em ter contribuído com isso. Hoje a minha felicidade é ajudar as pessoas a brilharem”, declara. “Só que, no final das contas, quem acaba dono de tudo sou eu, na lancha dele”, ri por último.