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Brasil reconhece pouco seus heróis, diz último parceiro de Elton Medeiros

Parceiro de Cartola e Paulinho da Viola, sambista morreu na noite de ontem aos 89 anos

Por Leandro Resende
Atualizado em 4 set 2019, 16h25 - Publicado em 4 set 2019, 11h30

Na última vez em que entrou em um estúdio, no fim de 2016, a ordem do compositor Elton Medeiros na hora de gravar uma canção causou estranheza nos presentes: “Não quero ouvir nenhum violão, nenhum instrumento de harmonia, enquanto estiver cantando”, disse, firme. Vidal Assis, que gravava seu primeiro álbum, assustou. “Como pode gravar assim?”, perguntou. Mas foi tranquilizado pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho. “Fica tranquilo, ele realmente não precisa. A harmonia está dentro da cabeça dele”, explicou.

Não há quem não reconheça o talento para elaboração de melodias de Elton Medeiros, parceiro de Cartola, Zé Keti e Paulinho da Viola, morto na noite desta quarta-feira, 4, aos 89 anos, em um hospital na Zona Sul do Rio de Janeiro, vítima de pneumonia. Seu legado, no entanto, é imensurável, seja nas composições consagradas que deixou (como O Sol Nascerá, parceria com Cartola na década de 60 e atual tema da novela Bom Sucesso, da TV Globo) e nas que ainda estão inéditas.

Nascido no bairro da Glória, no Rio de Janeiro, Elton Medeiros despontou para a música nos anos 1960, mas já tinha longa trajetória, desde os 14 anos de idade, em blocos de Carnaval do subúrbio carioca. Fez parte dos conjuntos A Voz do Morro e Os Cinco Crioulos, ao lado de outros bambas como Paulinho da Viola, Nelson Sargento, Mauro Duarte, Jair do Cavaquinho e Anescarzinho do Salgueiro.

“Elton representa uma linhagem do samba de poucos representantes, de gente que tinha cuidado com a poesia das palavras e com as melodias”, conta Vidal Assis, 34 anos, último parceiro do sambista. Foi ele quem, em 2016, ajudou o veterano bamba a voltar à ativa. Idoso, com dificuldades de locomoção e cego, Elton Medeiros saiu de cena em meados de 2014, sendo lembrado apenas nas rodas de samba em clássicos como Onde a Dor Não Tem Razão e Recomeçar, parcerias com Paulinho da Viola.

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“Hermínio Bello de Carvalho nos apresentou e criamos uma boa relação, apesar da diferença de idade. Nós nos tornamos parceiros e passamos a nos frequentar. Foi só quando saímos na imprensa, em 2016, que as pessoas se lembraram dele”, relembra Assis, certo de que o velho parceiro merecia maior reconhecimento em vida.

“Nossos mestres da música possuem melodias guardadas nas gavetas, poesias jogadas, músicas perdidas, sem um inventário. O Brasil reconhece pouco seus heróis”, afirma Assis, que lembra das histórias de Cartola e Nelson Cavaquinho como exemplo da falta de cuidado do país com os grandes nomes da cultura. Segundo ele, ainda há racismo ao se falar de samba no Brasil.

“Hoje Cartola é tema de novela, mas lavou carros na velhice para sobreviver. Nelson Cavaquinho, se não fosse o escritor Sérgio Porto, não teria onde morar. A música tem critérios segregadores, e aquela que é feita pelos negros não é tão valorizada. O desdobramento disso é o ostracismo desses grandes mestres no final da vida”, opina.

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Elton reapareceu no ano passado, na comemoração de seu aniversário em homenagem organizada pelo Coletivo Sindicato do Samba, no Solar Wilson Moreira, espaço que leva o nome de outro bamba da música brasileira. O violonista Nando Mattoso, que participou do evento, lembra que Elton parecia “ausente” em alguns momentos, mas que estava satisfeito por receber “flores em vida”.

“Elton, Wilson Moreira e Dona Ivone Lara foram grandes músicos sem ter muito estudo de harmonia. A vivência permitia que eles usassem a intuição para fazer as melodias de tantas canções incríveis”, afirmou.

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O corpo de Elton Medeiros será velado e enterrado na tarde desta quarta-feira no cemitério do Catumbi. Mas engana-se quem pensa que sua obra está esgotada: Vidal Assis calcula ter entre dez e quinze sambas ainda inéditos em parceria com o mestre e que, em algum momento, serão gravados. “Elton foi o sambista que eu gostaria de ter sido”, resumiu.

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