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Afinado com o desajuste: a vida e a obra de Stephen Schwartz

Em musicais como 'Godspell', 'Wicked' e 'Pippin' (que está em cartaz no país), o americano abriu os palcos para tipos que não sabem qual seu lugar no mundo

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 ago 2019, 15h15 - Publicado em 2 ago 2019, 07h00

Stephen Schwartz já era um criador de musicais de sucesso quando deu uma pausa na Broadway, nos anos 90, e foi estudar psicologia na Universidade de Nova York. A temporada acadêmica, diz ele, ajudou na composição de personagens posteriores, como o vilão Frollo, de O Corcunda de Notre Dame. Desde sempre, porém, Schwartz demonstrou uma habilidade ímpar para compor um tipo psicológico particular. É talvez sua contribuição maior à arte do musical: se o americano Stephen Sondheim trouxe a ­visão cínica da sociedade em obras ­como Company, e o inglês Andrew Lloyd Webber fez do drama espalhafatoso a sua marca (como atestam Evita e O Fantasma da Ópera), Stephen Schwartz, de 71 anos, é o compositor que abriu os palcos da Broadway aos desajustados.

Os principais êxitos de seu repertório tratam de personagens um tanto fora de padrão, que buscam aceitação social e querem entender seu lugar no mundo. Em Godspell, de 1971, pessoas demasiado convencionais largam suas vidinhas chatas para fazer uma encenação riponga da Paixão de Cristo. Wicked, que estreou em 2003 e ainda domina a Broadway, conta a história de O Mágico de Oz do ponto de vista da bruxa má do Oeste, discriminada por sua pele verde.

VERSÃO NACIONAL - Totia Meireles, em ‘Pippin’: personagens antológicos (Daniel Coelho/VEJA)

A maior criação de Schwartz é Pippin, de 1972, atualmente em cartaz em São Paulo, com montagem da dupla Charles Möeller e Claudio Botelho. Primogênito do imperador Carlos Magno, Pippin espera uma vida de feitos grandiosos, que nunca se realizam. No limite, mata o pai por julgar que seria um governante mais justo (o texto não tem compromisso com os fatos históricos: Carlos Magno morreu de causas naturais). “Há muito de mim em Pippin, embora eu nunca tenha matado meu pai. Acho que às vezes ele é que teve o desejo de me matar”, diz Schwartz.

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O compositor começou a trabalhar nas canções do espetáculo aos 17 anos e só o viu na Broadway quando já contava 24. A versão clássica teve direção do coreógrafo Bob Fosse (1927-1987), cuja genialidade era proporcional à personalidade tempestuosa. Schwartz e Fosse tiveram embates memoráveis, como se vê na minissérie Fosse/Verdon, do canal Fox Premium. Discreto, tímido até, o compositor admitiu a amigos que as discussões existiram, embora fossem menos brutais do que a série sugere. Fosse podia ser um tipo difícil, mas as soluções cênicas que encontrou para Pippin se consagraram em versões posteriores — entre elas, a figura do mestre de cerimônias que guia o público pelas desventuras do príncipe indeciso, interpretado por Ben Vereen na versão original e vivido com brio por Totia Meireles na montagem nacional. Os passos de Fosse mais tarde seriam copiados pela TV brasileira: a abertura original do Fantástico é descaradamente inspirada em Pippin.

BRUXA VERDE – Idina Menzel, em ‘Wicked’: um dos mais longevos da Broadway hoje (Verve/UMe/Divulgação)

Schwartz estudou na prestigiosa Juilliard School de Nova York e tem formação erudita toda certinha. Mas, ao migrar para a Broadway, abraçou como poucos a linguagem radiofônica — rock, soul music e até as melodias de Carole King preenchem Pippin. “Os críticos diziam que eu, Alan Menken e Andrew Lloyd Webber não fazíamos musicais de verdade, pois não tínhamos a sofisticação da dupla Rodgers & Hammerstein. Provamos que eles estavam errados”, diz. Schwartz conseguiu levar suas músicas do palco para as paradas. Day by Day, de Godspell, foi regravada por bandas cristãs e pelo maestro Ray Conniff; Corner of the Sky, de Pippin, foi integrada ao repertório do Jackson 5; e Defying Gravity, de Wicked, fez sucesso na voz de sua intérprete original, a cantora Idina Menzel — responsável, aliás, por transformar a canção em teste de fogo para as intérpretes. “Foi Idina quem me pediu para subir o tom no último verso. Aceitei, desde que ela me garantisse que conseguiria cantar a música daquele jeito em uma temporada com oito espetáculos por semana”, lembra. “Hoje, as substitutas de Idina têm de suar para atingir aquela nota.”

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Depois de um tempo dividido entre os bancos universitários e as brincadeiras com seus dois filhos, Schwartz foi chamado de volta à música pelo cinema de animação. Ganhou dois Oscar pelos temas de Pocahontas, dos estúdios Disney, e O Príncipe do Egito, da DreamWorks. O cinema foi o trampolim para sua ressurreição gloriosa nos musicais: Wic­ked já está em seu 16º ano e hoje é um dos espetáculos mais longevos em cartaz na Broadway. Para além das angústias de seus personagens, Schwartz ainda emprega seu conhecimento de psicologia no ambiente teatral — que considera “perverso e traiçoeiro”. “É pre­ciso ter casca grossa para não se deixar influenciar pela negatividade do meio”, lamenta. Eis um compositor afinado com o desajuste.

 

Publicado em VEJA de 7 de agosto de 2019, edição nº 2646

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