A felicidade de filmar um ‘Amarcord brasileiro’
Volta de Arnaldo Jabor ao cinema resulta em filme impregnado de referências autobiográficas sobre os tropeços que moldam o amadurecimento do homem
Apaixonado pela Lapa, pelo Rio, Noel, personagem de Marco Nanini, é a figura que todo jovem gostaria de ter por perto nos apertos da adolescência
À medida que descobre imperfeições no mundo à sua volta e a infelicidade dentro de sua própria casa, o menino Paulinho passa a buscar, amparado nos conselhos e na visão de mundo do avô, um caminho diferente do de seus pais e de boa parte dos garotos de sua idade. O amadurecimento do personagem, moldado por desilusões, tropeços e alegrias inocentes, se dá no Rio de Janeiro de meados do século 20. A voz que pontua cada aprendizado de Paulinho é de ninguém menos que Marco Nanini, o avô. E as pílulas de sabedoria – “não existe felicidade, no máximo, uma alegria” – são indissociáveis da escrita e do jeito de fazer cinema de Arnaldo Jabor, que retoma a carreira de diretor de longas de ficção depois de um recesso voluntário de 24 anos.
Para contar a transformação do menino, dos 8 anos até tornar-se um jovem que administra suas paixões, foi escalado um elenco à altura da importância do retorno de Jabor às telas. Dan Stulbach e Mariana Lima são os pais do personagem. Paulinho é interpretado por três atores – dois mirins e Jayme Matarazzo, filho do diretor Jayme Monjardim. Integram o time ainda Elke Maravilha, Maria Flor, Ary Fontoura e Tammy Di Calafiori.
Nanini faz valer cada minuto do filme. Apaixonado pela Lapa, pelo Rio, o avô Noel é a figura que todo jovem gostaria de ter por perto nos apertos da adolescência. Paulinho aprende com o avô que perder-se de amor é necessário, vai ‘às putas’, assimila a cumplicidade machista das ‘escapulidas’ de um homem casado e consegue estabelecer, na boemia, um território confortável.
A nostalgia de um Rio mais esperançoso, ingênuo, mas não menos libertino, pulsa na tela. E esta pegada impregnada de referências autobiográficas do cineasta é, isoladamente, uma boa razão para dedicar duas horas à ‘Suprema Felicidade’ – que o próprio Jabor chegou a resumir como um ‘Amarcord brasileiro’, numa referência à obra de Fererico Fellini. A história vai e vem no tempo, mas não a ponto de fazer o espectador perder a referência.
Dan Stulbach encarna as inseguranças do pai de família às vésperas da libertação da rotina de dona-de-casa rumo ao mercado de trabalho, e termina imprimir no convívio familiar alguns dos conflitos que ajudam a mover a história. Mariana Lima é a ‘musa jaboriana’ em maior evidência. A atriz canta, dança e interpreta com perfeição as várias fases da mulher ‘do lar’, do viço da juventude ao semblante opaco, desgastado, curvando-se à rotina doméstica.
A segunda é a personagem de Tammy, que, na tela grande, demonstra uma capacidade de conduzir uma interpretação cheia de tensão e sensualidade bem mais notável que seu papel atual na TV, em ‘Passione’. Uma ‘mágica do cinema’, ou, talvez, a descoberta de uma provável candidata a futuros trabalhos de Jabor.