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A estrela da diversidade

O mesmo país que consagra um candidato a presidente de discurso homofóbico fez da drag queen Pabllo Vittar um avassalador fenômeno pop

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 28 set 2018, 08h01 - Publicado em 28 set 2018, 08h00

Na véspera do aniversário de 18 anos, Phabullo Rodrigues da Silva não estava em seus melhores dias. Havia sido rejeitado em um teste para atendente de telemarketing, em Uberlândia, Minas Gerais. Sem emprego e sem dinheiro, não tinha a roupa desejada para ir a uma festa de Halloween naquele 31 de outubro de 2012. Mas improvisou: cobriu o cabelo crespo e curto de ataduras e usou o mesmo material para criar exíguas peças de roupa. “Fiz um top, uma sainha, fui para a rua e arrasei”, lembra. Em casa, Phabullo já usava roupas femininas e maquiagem (sua mãe, Verônica, enfermeira, apoiava o filho diferente), porém nunca se mostrara publicamente como drag queen — um homem encarnando uma persona feminina.

O nome artístico só viria no ano seguinte, mas não será exagero dizer que naquele 31 de outubro de 2012 surgia Pabllo Vittar, hoje a mais fulgurante estrela gay do Brasil. Com 23 anos — faz 24 em 1º de novembro —, o jovem nascido em São Luís, Maranhão, lança nesta semana o seu segundo trabalho, Não Para, Não. Entre 2015 e 2018, Pabllo arrebanhou mais de 1 bilhão de views e streams em sites de vídeo e música — a nova medida do sucesso em tempos de ocaso do disco físico. Sua apresentação num palco paralelo no Rock in Rio, em 2017, foi sucedida por uma participação na performance de Fergie, uma das principais atrações do festival — e a cantora de My Humps acabou ofuscada pela convidada (sim, o gênero feminino se aplica sempre que Pabllo está “montada”). “Só me arrependi de não ter feito um bronzeamento artificial. A marquinha da sunga apareceu”, lamenta Pabllo. Com a popularidade atestada por prêmios de aclamação — música do ano para K.O. nos programas de Luciano Huck e Fausto Silva, em 2017 —, Pabllo Vittar é uma prova exuberante da consagração da cultura gay no país. Consagração, porém, ainda precária e ambivalente: seu sucesso se consolidou ao mesmo tempo em que Jair Bolsonaro, com seu discurso francamente homofóbico, ascendeu de membro do baixo clero do Congresso a forte postulante à cadeira presidencial.

Arrasa, Amiga! – Pabllo em três tempos: ao lado de Phamella, sua irmã gêmea; na primeira vez em que se “montou” como drag queen; e em show na Parada Gay de São Paulo, em junho (Arquivo Pessoal/Danilo Fernandes/Brazil Photo Press/AFP)

Adolescente, Pabllo despertou para a música ouvindo Lady Gaga, que, nos shows, fazia discursos com fortes tons de autoajuda, conclamando os fãs a se aceitarem tal qual são. “Eu era e sou little monster”, confessa (little monsters, ou monstrinhos, é como Gaga chama carinhosamente os seus seguidores). “Eu ainda morava em Caxias, no Maranhão, quando assisti ao clipe de Poker Face. Aquilo, meu amor, me deu um estalo.” Madonna, que incorporou a cultura gay em seus shows, é uma referência mais distante para a geração de Pabllo. Mesmo assim, a drag brasileira arrepiou-se ao conhecer a cantora de Vogue na festa de casamento da modelo Michelle Alves e do empresário Guy Oseary, na casa de Luciano Huck. Madonna, como de costume, mostrou-se blasée: “Ela me olhou dos pés à cabeça. Não sorriu, não chorou, não desdenhou”.

Pabllo é forte nas redes sociais. Sua conta no Instagram conquistou 7,3 milhões de seguidores, e seu perfil no YouTube teve 800 milhões de reproduções. Por contraste, Anitta, a atual diva do pop, é bem maior: 30,8 milhões de seguidores e mais de 2 bilhões de reproduções — mas os números de Pabllo são impressionantes para quem tem apenas três anos de carreira (Anitta lançou o primeiro single, Eu Vou Ficar, em 2010). Pabllo foi descoberta numa festa em Uberlândia pelos empresários Yan Hayashi e Leocadio Rezende. “O Leo chamou minha atenção para uma drag linda que ele tinha visto na balada. Era a Pabllo”, lembra Hayashi. “Depois a gente descobriu que ela cantava bem.” Meses mais tarde, o DJ e produtor Rodrigo Gorky reconheceu star quality em uma drag que despontara no Instagram. Foi falar a respeito com a dupla de empresários, que, sem ele saber, já estava em tratativas com Pabllo. Formava-se ali o trio que cuida do lado artístico da cantora. Gorky produz os discos, Hayashi encarrega-­se dos shows e Rezende atua no departamento de marketing. “O que mais impressiona na Pabllo é a força de vontade. Você a joga em qualquer lugar e ela se adapta com facilidade àquela cena”, diz Rezende. O trio também vai cuidar de dois artistas afiliados de Pabllo: a trans Urias e Mateus Carrilho, ex-cantor da Banda Uó, que participou do clipe de Corpo Sensual.

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A cantora conta ainda com um time que trata dos negócios. Encabeçado pela empresária Fatima Pissarra e pela cantora Preta Gil, o grupo, entre outras atribuições, busca colocar Pabllo à frente de campanhas publicitárias. Pabllo, que na adolescência ouvia e admirava Preta Gil a distância, hoje tem a cantora como amiga próxima. “O deslumbramento da Pabllo é afetivo. Ela não se afeta porque fulano é rico ou porque fulana é famosa. Ela se afeta quando conhece alguém que no passado já fez parte da vida dela, como eu”, emociona-se Preta Gil. Para além do relacionamento de empresária e cliente, as duas vivem trocando figurinhas, dicas de produtos de beleza e confidências íntimas. “Dia desses, eu estava num rolo pesadíssimo com um cara famoso e falei com Preta. Ela me disse: ‘Sai dessa!’. E eu saí”, conta Pabllo. Que, aliás, se declara solteiríssima: recentemente, fez um “feng shui” na vida amorosa e se desfez de “vinte rolos” para se concentrar na carreira. A vida anda agitada. Pabllo mantém casa em Uberlândia, onde morou na adolescência e onde sua mãe ainda vive, mas, entre shows, gravações e compromissos com TV e publicidade, passa meses sem ir lá.

A agência de Preta e Fatima cuida de fazer pequenos anúncios de produtos — de chicletes a preservativos — em clipes da cantora, o que no jargão publicitário é conhecido como product placement. Cada inserção dessas custa de 50 000 a 300 000 reais. “As marcas que procuram a Pabllo estão atrás de diversidade”, diz Fatima Pissarra. “Mas ainda esbarramos no preconceito. Muitas vezes, quando falamos dela, as empresas dizem: ‘A gente quer diversidade, mas não tanto assim’.” Pabllo faz questão de testar as marcas que anuncia, sobretudo cosméticos. Há algumas semanas, rompeu com uma empresa de calçados porque seu proprietário declarou apoio a Bolsonaro. “Ela não se sentiu à vontade para continuar a parceria com ele, e eu concordei”, diz Preta Gil.

“Acho que a gente tem de estar com quem está pela gente” é tudo o que Pabllo diz sobre o episódio. A cantora se define como uma pessoa otimista, positiva, mas já sofreu rejeição pesada e até agressões. Na infância e adolescência, encontrou preconceito entre professores que, a título de “aconselhamento”, diziam que nunca seria nada na vida se continuasse com suas maneiras delicadas. “Às vezes não me sentia nem humano. Mas sempre tive uma garra muito grande de querer fazer a mudança acontecer”, orgulha-se.

“As pessoas pensam que o brasileiro é liberado sexualmente, mas isso não é tão verdadeiro”, adverte o historiador americano James Green, militante LGBT e professor de estudos brasileiros na Universidade Brown. Green acredita, porém, que as novas gerações são mais “tranquilas com a diversidade”. A mutação de valores comportamentais passa obrigatoriamente pela música. Nos anos 70, Ney Matogrosso ainda escandalizava por causa da ambiguidade sexual. A geração de Pabllo já mostra uma postura mais escancarada, que o escritor João Silvério Trevisan, autor de Devassos no Paraíso, importante estudo sobre a homossexualidade no Brasil, qualifica de “estilística desmunhecada”. Trevisan observa que os nomes que estão fazendo essa revolução — artistas como Johnny Hooker, Jaloo, Liniker, Gloria Groove — em geral vêm de quebradas remotas e pobres, e são quase sempre de ascendência afro-­brasileira (o pai de Pabllo, ausente em sua criação, é negro). “São personagens que têm consciência política sobre seus direitos”, professa.

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Não Para, Não, segundo álbum da cantora, chega às lojas com a missão de superar Vai Passar Mal (2017), que além de K.O. colocou nas paradas os hits Corpo Sensual e Indestrutível. A responsabilidade aumenta pelo fato de ser o primeiro trabalho de Pabllo pela Sony Music, gigante da indústria fonográfica. Será lançado em formato físico — o que não ocorreu com o disco anterior —, mas o objetivo maior é vencer no mercado digital e conseguir alguma projeção internacional. “Os representantes da Sony em todo o mundo conhecem a Pabllo. Estamos esperando a canção certa para lançá-la no exterior”, diz Paulo Junqueiro, presidente da multinacional no Brasil. As gravações foram realizadas em Los Angeles, mas o resultado é brasileiro e regional. Há ritmos como axé music e lambada, e o som da sanfona se faz ouvir em todas as dez canções do álbum — que não chega a trinta minutos de duração. As cantoras Ludmilla e Urias (ex-assistente de Pabllo que agora trilha o caminho artístico) e o pagodeiro Dilsinho estão entre as participações especiais. “Eu acho que explorar as nossas sonoridades é o caminho para uma carreira internacional. Melhor do que o reggaeton, que os latinos fazem como ninguém”, diz Gorky, produtor do disco. Pabllo está cantando em tons harmônicos mais graves. “As referências foram Ariana Grande e a Mariah Carey dos anos 90”, diz Rodrigo Timbó, que cuidou dos arranjos vocais. Temas como aceitação e reconhecimento aparecem em Ouro, em dueto com Urias: “A sua voz não está mais escondida / Canta pro mundo. Arrasa, amiga”.

Desde que saiu para uma festa vestida de ataduras, em 2012, Pabllo Vittar não se esconde. No estúdio onde posou para a foto que abre esta reportagem, quando lhe dizem que ela é uma “mulher bonita”, Pabllo agradece sinceramente o elogio. Mas faz questão de deixar claro: “Sou drag queen”.


A tietagem de Pabllo Vittar

A cantora fala das três artistas que mais admira — duas estrelas americanas e uma amiga brasileira

(Alex Santana/Divulgação)

 

Sou atraída pelo carisma dela. Fico possessa quando a chamam de subcelebridade. Meu amor, já viu um show dela? Ah, não? Então fica na sua

Sobre Preta Gil

 

(//Divulgação)

Muito poderosa! Ela me inspira a ir com tudo, a explodir a cada segundo, toda vez que entro no palco. Ela me faz querer dar o meu melhor

Sobre Beyoncé
(//Divulgação)

 

Sempre quis alguém que dissesse: ‘Você é legal porque é diferente’. Graças a ela, eu me tornei a Pabllo que sou até hoje

Sobre Lady Gaga

 

Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2018, edição nº 2602

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