Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A biografia da Nobel que expôs a desilusão com o socialismo em versos

Livro narra a vida da polonesa Wislawa Szymborska, que trocou o papel de poeta oficial do comunismo pelo de porta-voz do desencanto com a opressão

Por Flávio Ricardo Vassoler
Atualizado em 22 jul 2020, 15h17 - Publicado em 3 jul 2020, 06h00

Logo após o fim da II Guerra Mundial, em 1945, a jovem Wislawa Szymborska se filiou poética e politicamente à ilusão da utopia socialista — que imaginava prestes a se concretizar com a entrada de seu país, a Polônia, na esfera da extinta União Soviética. Nessa etapa da vida, ela escreveu poemas como Lênin, em homenagem ao líder comunista da Revolução Russa de 1917. Ao publicar seus primeiros textos, abraçou o realismo socialista, movimento que arregimentava as obras literárias como odes ao regime e a sua capacidade produtiva (supostamente) inigualável. De autoria das jornalistas polonesas Anna Bikont e Joanna Szczesna, a biografia Quinquilharias e Recordações, com lançamento em 17 de julho, acompanha as metamorfoses da poeta polonesa, que passou de entusiasta do regime a crítica ferrenha do Estado policial implantado sob o mesmo, culminando com sua consagração com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1996.

+ Compre o livro Quinquilharias e Recordações, de Wislawa Szymborska

A ruptura tanto com a ideologia soviética quanto com o embotado realismo socialista veio nos anos 60, em razão da distância entre as promessas emancipatórias e o cotidiano opressor do socialismo real. Wislawa assim refletiu sobre o ímpeto utópico de seus anos de poeta militante: “Eu pertenço a uma geração que acreditava. E, quando deixei de acreditar, parei de escrever aqueles poemas”. Ela se arrependeria amargamente do engajamento pró-regime autoritário: “Cumpri minha ‘tarefa poética’ com a convicção de que estava fazendo o certo. Essa foi a pior experiência da minha vida”. Mas foi um raro caso de escritor capaz de superar a pecha de “poeta oficial”. Se a reversão da utopia socialista em opressão totalitária turvou o espírito da jovem Wislawa, a autora viria a incorporar à sua poesia mais perguntas que respostas, e mais ironia e ceticismo ao lidar com a condição humana. Sua obra desvela com lirismo, lucidez e melancolia as marcas (e cicatrizes) da história.

QUINQUILHARIAS E RECORDAÇÕES, de Anna Bikont e Joanna Szczesna (Âyiné; tradução de Eneida Favre; 560 páginas; 109,90 reais). (//Divulgação)

Wislawa rompeu com o socialismo, mas nunca questionou o regime polonês abertamente. Fez isso, no entanto, com uma arma sutil e mais efetiva: a própria escrita. A partir de 1966, seus versos tornaram-se trincheira de resistência alegórica contra o arbítrio. “O que você diz tem ressonância, / O que silencia tem um eco”, diz no poema Filhos da Época. Para além de um gigante da poesia na segunda metade do século XX, Wislawa tornou-­se cultuada. Sua fama no Ocidente foi se sedimentando aos poucos, primeiro nos restritos círculos literários, até a projeção planetária com o Nobel e adaptações de sua obra como A Fraternidade É Vermelha (1994), filme dirigido pelo polonês Krzysztof Kieslowski.

Continua após a publicidade

Filha do feitor de um conde, mais tarde empobrecida a ponto de não completar os estudos por falta de dinheiro, Wislawa considerava que tudo o que havia para dizer sobre si estava em seus poemas. Em conversa com suas biógrafas, disse que “fazer confidências publicamente é uma perda da própria alma. É preciso guardar algo para si mesmo”. A vida íntima da autora é circunspecta. Ainda na juventude, ela se casou com um colega poeta, mas a felicidade durou só seis anos: depois que ele morreu, permaneceu solteira e sem filhos. Gastava seu tempo entre a poesia e a produção de colagens bem-humoradas (algumas reproduzidas na biografia).

+ Compre o livro Poemas de Wislawa Szymborska

A decantação da Wislawa artística e humanamente madura é sintetizada no poema Ocaso do Século (1987). Nele, a autora funde as esperanças e frustrações de uma geração de sonhadores diante do fracasso do comunismo. “Era para ter sido melhor que os outros o nosso século XX / Quem quis se alegrar com o mundo / depara com uma tarefa / de execução impossível.” Eis como extrair gemas preciosas da brutal desilusão.

VEJA RECOMENDA | Conheça a lista dos livros mais vendidos da revista e nossas indicações especiais para você.

Publicado em VEJA de 8 de julho de 2020, edição nº 2694

Continua após a publicidade

CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR


Quinquilharias e Recordações, de Wislawa Szymborska

Poemas de Wislawa Szymborska

*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.