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A arte da manipulação fotográfica como ferramenta de extermínio

Por Da Redação
25 abr 2012, 10h10

Ignacio Ortega.

Moscou, 25 abr (EFE).- Os ‘inimigos do povo soviético’ morriam duas vezes: uma ao serem fuzilados ou enviados aos Gulags (campos de trabalho forçado) e outra ao desaparecer das imagens oficiais pela arte da manipulação fotográfica.

‘Eu acredito que foi iniciativa pessoal de (Josef) Stalin, que, motivado pelo medo, decidiu liquidar seus rivais não só fisicamente, mas também qualquer rastro de sua personalidade’, afirmou à Agência Efe Irina Galkova, curadora de uma interessante exposição fotográfica.

A mostra é um repasse da ignomínia dos expurgos stalinistas, que tiveram como vítimas tanto dirigentes bolcheviques (Leon Trotski, Lev Kámenev, Grigori Zinoviev, Nikolái Bujarin e Nikolai Yezhov), como obscuros funcionários e milhões de inocentes cidadãos.

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‘Antes não existia o photoshop, por isso os soviéticos não tinham por que suspeitar que essas fotos oficiais tinham sido retocadas. Agora terão a oportunidade de ver as imagens originais’, acrescentou Irina.

O Museu do Gulag de Moscou é o cenário ideal para abrigar 150 das centenas de imagens reunidas pelo artista britânico David King, que decidiu criar a coleção quando em uma viagem à União Soviética em 1970 tentou encontrar fotos de Trotski.

‘E para que o senhor precisa de Trotski? Para a revolução, Trotski é uma figura insignificante. Por outro lado, Stalin é outra coisa’, lhe disseram em uma visita ao arquivo estatal de documentos fotográficos da capital soviética.

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King então se deu conta que Trotski não apenas tinha desaparecido das conversas diárias, mas também do imaginário coletivo nacional, já que era quase impossível encontrar seu rosto fotografado. ‘Os matavam duas vezes’, concluiu.

O caso mais famoso de falsificação fotográfica e, portanto, histórica, é o famoso discurso pronunciado em maio de 1920 por Vladimir Ilitch Lênin, que se dirige energicamente ao povo em cima de um palanque de madeira, em cujas escadas se encontram Trotski e Kámenev.

Quando ambos caíram em desgraça, os censores soviéticos apagaram suas imagens da foto, em uma tentativa de apagar a lembrança de ambos dirigentes bolcheviques para que não fizessem sombra ao único sucessor do fundador do estado totalitário: Stalin.

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A tenacidade dos obsessivos censores reflete melhor que qualquer outro documento histórico o ambiente de seu tempo, como é o caso da foto de 1926 na qual Stalin posa junto a outros quatro dirigentes comunistas: Antípov, Kirov, Shvernik e Komarov.

Nos anos seguintes, à medida que recrudesciam as lutas internas pelo poder após a morte de Lênin, cada um dos companheiros de viagem de Stalin foram desaparecendo, até que este ficou sozinho na foto e no Kremlin.

Nikolai Yezhov é sem sombra de dúvidas um dos personagens mais sinistros da história soviética, já que, à frente da NKVD, precursora da KGB, comandou as repressões stalinistas até sua prisão em 1939.

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Sua simples presença se tornou incômoda para o tirano, que temia ser acusado diretamente pelos massacres e por isso ordenou sua execução em 1940 e fotos, como na qual aparecem juntos supervisionando as obras do canal do Rio Volga, foram retocadas e Yezhov desapareceu da historiografia oficial.

O retoque de fotos se transformou em uma autêntica indústria, na qual tanto se apagavam as rugas e o semblante franzido do rosto de Stalin como os papéis jogados no pavimento de pedras pelo qual caminhavam os dirigentes, como companheiros de Lênin da luta clandestina contra os czares com os quais acabou inimizando-se.

Continuamente dos museus soviéticos se retiravam por motivos políticos fotografias, que eram tratadas com escalpelo e pulverizadores de tinta, após o que retornavam já retocadas, de modo que só os mais avisados notavam as mudanças e as ausências.

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Em particular, a exposição conta a história do fotógrafo e desenhista soviético Aleksandr Rodchenko, que foi enviado em 1934 ao Uzbequistão para realizar um álbum para o 10º aniversário da inclusão da república centro-asiática na URSS.

Três anos depois o álbum foi expropriado, já que incluía as imagens de muitos dirigentes que tinham sido fuzilados ou deportados, e Rodchenko teve que rabiscar com tinta negra seus rostos, o que, como pode ser visto na mostra, faz parecer que lhes roubaram a alma.

Os stalinistas cunharam o conceito de ‘responsabilidade pessoal’, e por isso a simples posse de fotos de ‘inimigos do povo’ podia acarretar em penas de prisão a seu proprietário, motivo pelo qual os cidadãos soviéticos apressaram-se em contribuir ativamente com a campanha de falsificação.

Em sua maioria, esses personagens históricos não voltaram a ver a luz até a Perestroika ou, no pior dos casos, até a queda da União Soviética, embora uns poucos tenham sido reabilitados após a morte de Stalin em 1953. EFE

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