A aposta da indústria dos games na revitalização de jogos antigos
A nova versão do Wii Sports para o Switch, console desenvolvido pela Nintendo, reforça a tendência, uma estratégia para fisgar todos os públicos
O mundo dos videogames passou por uma grande transformação em meados dos anos 2000. Em novembro de 2006, a Nintendo, fabricante japonesa de portáteis icônicos como Game Boy e de jogos seminais como Donkey Kong e Mario Bros, lançou o Wii para competir com Xbox 360, da Microsoft, e o PlayStation 3, da Sony. Com um sensor de movimentos e de gestos, tirou os jogadores da cadeira e do sofá e os obrigou a mexer o esqueleto na frente de uma tela. Para conseguir essa façanha, que envolveu a família inteira, desde os mais velhos até os mais novos, trazia incorporado o jogo Wii Sports, com modalidades que iam do boliche ao tênis. Essa dupla fez sucesso: com mais de 100 milhões de unidades vendidas, o console impulsionou o game, que se tornou o quarto mais vendido de todos os tempos, atrás apenas de Tetris, Gran Theft Auto V e Minecraft. De olho nesse potencial e na tendência de revitalização de jogos antigos, o Wii Sports será relançado para o mais novo console da empresa, o Switch.
Trata-se de um movimento que o mercado já vinha antecipando. No ano passado, o Switch ultrapassou o Wii como console mais vendido da Nintendo, com 103 milhões de aparelhos adquiridos. Incorporar o Wii Sports recauchutado e melhorado ao novo modelo era uma questão de tempo. Batizada de Nintendo Switch Sports, a nova versão do game trará outras modalidades, como badminton e futebol, e permitirá também partidas on-line. Será possível rebater bolas de tênis com a ajuda de uma raquete virtual e até chutar ao gol com o auxílio de alças para registrar os movimentos das pernas. A marca japonesa não vai parar por aí, já que estaria trabalhando com emuladores do Game Boy Advance, videogame portátil lançado em 2001, e do Game Boy Color, de 1998, para o novo console. Por isso, é possível que testemunhemos ainda mais reedições de videogames “antigos” no horizonte.
O relançamento de jogos é uma forma de fisgar todos os públicos, de jovens a adultos. Não é de hoje, diga-se. Começou em 2018, quando o clássico Age of Empires, nascido originalmente em 1997, foi melhorado e adaptado para os computadores atuais. No ano passado, Diablo II, de 2000, e Final Fantasy, de 1987, passaram pelo mesmo processo. Recentemente, a Sega anunciou o Sonic Origins, pacote com quatro jogos clássicos do ouriço azul, Sonic the Hedgehog, Sonic the Hedgehog 2, Sonic 3 & Knuckles e Sonic CD. O combo estará disponível a partir de 23 de junho, permitindo que os fãs do personagem saiam novamente em busca dos anéis dourados.
A tendência vem na esteira de um crescimento do mercado que coincide com o período de confinamento durante a pandemia de Covid-19. Rodrigo Terra, presidente da Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames), diz que nos últimos dois anos as pessoas tiveram de ficar em casa e uma parcela continuou recebendo salário. “Nesse sentido, a pandemia foi muito importante para a indústria gamer, não só em relação ao consumo, mas trouxe visibilidade para os jogos digitais”, diz. “Eles se tornaram mainstream, são a bola da vez em termos de entretenimento.”
De fato, a indústria global de games se transformou numa máquina de fazer dinheiro. Estima-se que o setor movimente algo como 300 bilhões de dólares por ano, mais do que a soma dos mercados de televisão (122 bilhões), música (110 bilhões) e cinema (40 bilhões), segundo levantamento realizado pela consultoria americana Accenture. O Brasil, com um faturamento anual de 2,1 bilhões de dólares, não fica muito atrás. De acordo com a Pesquisa Game Brasil mais recente, três em cada quatro brasileiros se divertem com jogos eletrônicos, ou 74,5% da população (veja o quadro), o maior porcentual da história. Há alguns dias, o segmento alcançou uma façanha notável. A corretora de criptomoedas FTX fechou um contrato de 15 milhões de reais para patrocinar a Furia (sem acento mesmo), uma das principais equipes de eSports do Brasil. É o maior valor investido em ações desse tipo no país. O número supera até os patrocínios de grandes times de futebol, o que prova a força irrefreável dos games. Ou seja: em uma das indústrias mais poderosas do mundo, o Brasil está com a bola toda.
Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787