Como foram os últimos tempos ao lado de seu tio, Pierre Cardin? No início da pandemia, ele já estava com 97 anos, e o fato de ficar preso dentro de casa fez com que envelhecesse muito depressa. Eu fazia a ponte entre ele e os funcionários, e tentávamos não deixá-lo com tanto medo da Covid-19.
O que mudou depois da morte dele, em 2020? Foi um período que coincidiu com a desaceleração imposta pela crise sanitária. Mas não a sentimos tanto. As pessoas foram forçadas a usar mais as tecnologias digitais, mas isso não foi totalmente ruim. Não acredito que elas sejam capazes de substituir a interação com o mundo real, e a moda é um dos marcos desse mundo. Cuido das redes sociais da empresa. Temos ainda poucos seguidores, mas são aqueles apaixonados pela marca. Prefiro continuar assim, com um crescimento orgânico. Porque, a rigor, o mais importante é sempre mostrar a verdade.
A moda mostra a verdade? Ela pode ser considerada supérflua, mas gira a economia e cria empregos. É a segunda indústria mais importante do mundo, depois do entretenimento. Se você der uma volta em qualquer lugar e eliminar tudo o que tem a ver com a moda, não sobrará nada. Pense em um homem nu em uma sala branca: ele vai comunicar pouca coisa sobre ele. Agora pense em um homem vestido: pela sua roupa podemos saber sua posição social, seu trabalho, de onde veio… A moda diz muito.
As mudanças comportamentais dos últimos anos impuseram imensa diversidade também à moda. Como a Pierre Cardin lida com esse movimento? A gente não tem e nunca teve problema com essa questão, porque, na visão da Pierre Cardin, não importa o formato do corpo, é a roupa que dá forma à pessoa. Isso era o que diferenciava os desenhos do meu tio, feitos como esculturas. Continuamos não nos agarrando a padrões duros. A diversidade é bem-vinda, e tudo o que é clássico terá um lugar no futuro.
Como enxerga as denúncias de assédio e trabalho escravo na indústria? Sei que esse tipo de situação acontece, e presto atenção quando vou escolher um fornecedor. Faço questão de visitar pessoalmente as fábricas para me certificar das condições de trabalho. Fico surpreso que essas coisas ainda ocorram, e temos de fazer algo a respeito. Para isso, a comunicação é fundamental. E a moda também é comunicação.
Publicado em VEJA de 5 de Julho de 2023, edição nº 2848