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Retomada das ruas: no carnaval, blocos são o destino certo dos foliões

Após dois anos de pandemia, a festa popular pode ser a maior de todos os tempos, com recorde de blocos inscritos

Por Marilia Monitchele
Atualizado em 17 fev 2023, 17h05 - Publicado em 17 fev 2023, 16h36

Eu quero é botar meu bloco na rua/ Brincar, botar pra gemer”, cantava Sérgio Sampaio, com uma melodia leve, ainda em 1979. A canção de Sampaio foi regravada, mais carnavalesca que nunca, em 2019, por ninguém menos que Ney Matogrosso. Ela foi feita em outro contexto, mas poderia facilmente se tornar um hino dos cortejos carnavalescos de 2023. Depois de dois anos de uma pandemia que parecia eterna, tudo que os foliões querem é botar o bloco na rua. 

E bloco é o que não falta. Tem para todos os gostos. Em São Paulo, serão mais de 500 desfiles espalhados por todas as regiões da capital. A Prefeitura acredita que a folia atingirá os números anteriores à pandemia de Covid-19, levando aproximadamente 15 milhões de pessoas a festejar. No Rio de Janeiro, a previsão também é de muita animação. O público estimado de foliões é de 5 milhões. Espera-se que sejam realizados 456 desfiles, mas esse número pode mudar, pois ainda depende das autorizações de órgãos públicos e da confirmação dos próprios blocos inscritos. Neste ano, 613 blocos pediram autorização para desfilar. Em 2020, foram 754, dos quais apenas 427 de fato desfilaram.

As duas capitais não estão sozinhas na folia. O Ministério do Turismo antecipa que o carnaval de 2023 pode ser o melhor e maior dos últimos anos. A festa volta triunfal e deve movimentar 46 milhões de pessoas para destinos de tradição carnavalesca. Em Salvador e Ouro Preto, espera-se uma movimentação 30% maior que a de 2020. Fortaleza já tem 80% dos quartos dos hotéis ocupados. Em Pernambuco, Olinda está próxima da ocupação máxima, enquanto Recife já tem números acima de 90%. Salvador também já registra alta demanda, com 95% de ocupação, assim como o Rio de Janeiro, que já se aproxima de sua capacidade máxima para receber turistas. 

O carnaval, inegavelmente, movimenta muito dinheiro, mas isso só acontece porque antes movimenta desejos e paixões. O antropólogo Roberto DaMatta defende a importância da festa para a elaboração da identidade nacional e destaca o valor dessa vivência nas ruas das cidades, que voltam a ser ocupadas por pedestres. “A rua ganha uma importância extraordinária. Elas ganham um estatuto, não mais de via de comunicação e transporte, mas de palco onde as pessoas desfilam”, diz.

Para ele, o carnaval é um rito de inversão e libertação, é uma das festividades que marcam nossa existência, onde a periferia é trazida para o centro. No carnaval, temos um espaço para a crítica e para as faltas do Brasil, além da negação de um cotidiano nacional extremamente hierarquizado. “O carnaval desmantela essa ideia de ‘um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar’”, sintetiza. 

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Com a trégua da Covid, a capital paulista se empenha em retomar sua vocação festiva. O carnaval na cidade atinge todos os perfis de foliões. Tem blocos de nicho, blocos estreantes e veteranos, que mostram que ainda têm muita energia para puxar o cordão. “Se todo ano o carnaval é uma grande catarse coletiva, este ano vai ser ainda mais, pois vamos expurgar esses quatro anos de perseguição e retrocesso”, disseram, por e-mail, representantes da Charanga do França, referindo-se aos quatro anos do governo do presidente Jair Bolsonaro, bastante crítico à festa popular. O bloco completa 10 anos em 2023 e já se tornou um dos mais tradicionais de São Paulo. A concentração começa no bairro Santa Cecília no dia 20 de Fevereiro.

O Agrada Gregos, maior bloco LGBTQIA+ do Brasil, também se mostra animado para tomar as ruas da capital paulista. “Esperamos 1 milhão de pessoas no Ibirapuera. Teve a pandemia no meio, perdemos muitos de nós, mas acreditamos que o povo vem animado e com força para ocupar as ruas”, diz Nathália Takenobu, produtora e DJ. “A proposta do Agrada Gregos era justamente agradar quem achava que não gostava de carnaval. Mas todo mundo gosta. O carnaval é uma festa popular que toma as ruas. E a rua é nossa”. A proposta parece ter tido efeito. Em seu último desfile, o bloco atraiu mais de 700 mil foliões. Neste ano, a expectativa é ainda maior. O bloco trará Gretchen e Aretuza Lovi como atrações e sairá no sábado, dia 18, do Ibirapuera.

E depois de tanto tempo reprimindo a alegria, muita gente quis botar o bloco na rua pela primeira vez. É o caso do Bloco Gal ToTal, homenagem a cantora Gal Costa, que faleceu em 2022, ano que o bloco foi criado. O grupo tinha o objetivo de levar folia para pais, mães, avós e, claro, crianças. A homenagem “foi um impulso do coração”, garante Zulaiê Silva, a cantora Zu Laiê, uma das fundadoras do bloco. Para ela, “é um momento de tentativa de retomada do que não vivemos nos últimos anos, há uma esperança no ar, um grito reprimido, um senso de comunhão e de comunidade que se pretende alastrar e expandir cada vez mais”. 

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O cortejo oficial aconteceu no último dia 12, quando o Gal ToTal debutou no carnaval paulista. A expectativa era atrair algumas dezenas de famílias. Em vez de algumas centenas de pessoas, o bloco atraiu um mar de gente para a Praça Elis Regina, na Zona Oeste. Mas o carnaval ainda não acabou para eles, que já tem apresentações para o pós-carnaval em bares da cidade. 

E, em meio a tanta novidade, a tradição ainda se faz presente. Com seus mais de 60 anos de folia, Candinho Neto, jornalista especializado na cobertura do carnaval, lidera a Banda do Candinho, bloco que há mais de quatro décadas anima o bairro do Bixiga. Neste ano, a Banda homenageou a jornalista Maju Coutinho, que ganhou uma marchinha exclusiva e a faixa de madrinha do bloco.  

Candinho não esconde a animação, mesmo depois de tantos anos de festa. “A expectativa é grande,  parecida com meus tempos de criança e adolescente”, brinca. “Durante a pandemia foram dois Carnavais não existentes que me deixaram tristes pelas perdas humanas em São Paulo, no Brasil e no mundo. Foi triste não poder brincar a grande festa popular brasileira”, lamentou. 

Muitos celebram esse “reencontro do Brasil com ele mesmo”, como sintetizou DaMatta, e aguardam o carnaval como quem espera por uma visita desejada. Tem gente, inclusive, torcendo para que a quarta-feira de cinzas nunca chegue.

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