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Os turistas se multiplicam, revoltam cidadãos e levam a dilema: e a economia?

Passado o temor da covid, não tem mais jeito: o mundo vive o estardalhaço do overtourism, o excesso onde deveria haver calma

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 31 ago 2024, 08h00
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  • Pelo sim, pelo não, mal não faz jogar uma moedinha na água clara da Fontana di Trevi, garantia de voltar a Roma. Duro é conseguir um cantinho que seja entre a multidão a cercar o monumento. Roubar um milímetro de olhar da Mona Lisa, no Museu do Louvre, em Paris, é missão inglória — a não ser no triste período logo depois do auge da pandemia, em que o medo vencia a curiosidade e poucas pessoas, sempre de máscara, ladeavam a obra-prima de Leonardo da Vinci. Passado o temor da covid, não tem mais jeito: o mundo vive o estardalhaço do overtourism, o excesso onde deveria haver calma.

    É fato incontornável de nosso tempo a avalanche de visitantes em cidades queridas. A turma de fora movimentará, em 2024, o equivalente a 4,7 trilhões de reais na Europa, um aumento de 37% em relação a 2019, antes do vírus. A líder de lotação é Amsterdã, seguida de Paris e Milão (veja no quadro). Recebem mais gente do que deveriam, em evidente nó para a infraestrutura do cotidiano. A cidade holandesa aumenta o tamanho da população, especialmente nas férias de verão, como agora, dez vezes. A capital francesa chega quase lá, multiplicando as pessoas em oito, mesmo com a debandada dos autóctones que fogem como o diabo da cruz, e bem feito para quem escapou durante a Olimpíada e perdeu raro momento de comunhão. As hordas, chamemos assim, movimentam as economias. Em Amsterdã, por exemplo, o forasteiro gasta cerca de 11 dólares para cada morador. A turma alvoroçada para subir a Torre Eiffel desembolsa 9,2 dólares por indivíduo nascido pelas bandas de lá. E daí? A grita contra o turismo chegou ao apogeu em 2024.

    CENA RARA - Incomum: a Mona Lisa assim, sozinha, apenas durante a pandemia
    CENA RARA – Incomum: a Mona Lisa assim, sozinha, apenas durante a pandemia (Sandrine Marty/AFP)

    A onda, a “turismofobia”, se espalha com avidez. Nos últimos meses houve protestos em Barcelona, Madri, Ilhas Canárias e Maiorca. Um dos slogans dá o tom da briga: “Turismo, sim. Mas não desse jeito”. Os revoltosos sabem não poder jogar fora o bebê junto com a água do banho. Nas últimas seis décadas, o turismo fez o PIB da Espanha crescer mais de 13%. “Apenas não queremos que os turistas façam aqui o que não podem fazer em seus próprios países”, disse ao jornal britânico Financial Times Mateu Hernández, diretor-geral do organismo em Barcelona responsável pela recepção a estrangeiros. “Não desejamos turistas bêbados, não queremos turistas que anseiam apenas comer barato, e nada mais.” É postura reativa que ganha corpo, com paliativos.

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    A prefeitura de Veneza começou a cobrar, em abril deste ano, uma taxa de 5 euros para quem pensa em passar um único dia na Sereníssima. As multas, caso o valor não seja pago, podem chegar a 500 euros. Em capitais como Paris e Londres, o estacionamento de ônibus de excursões é cada vez mais restrito. No vilarejo japonês de Fujikawaguchiko, aos pés do Monte Fuji, as autoridades locais ergueram uma barreira para impedir as selfies. “É fundamental estar atento à escala local, pois o turismo de massa afeta a vida de quem deseja apenas viver com tranquilidade em suas cidades”, diz Rita Cruz, professora do Departamento de Geografia da USP.

    VENICE, ITALY - AUGUST 02: Gondoliers proceed slowly near the Sospiri Bridge near St. Mark's Square due to too much traffic on August 02, 2023 in Venice, Italy. UNESCO officials have included Venice and its lagoon to the list of world heritage in danger to review, along with Ukraine's Kyiv, and Lviv. The UN cultural agency deems Italy not effective in protecting Venice from mass tourism and extreme weather conditions. (Photo by Stefano Mazzola/Getty Images)
    CONTROLE - Em Veneza: taxa de 5 euros para os visitantes de um único dia (Stefano Mazzola/Getty Images)

    É preciso, sem dúvida alguma, mais respeito e normas que evitem os abusos. “As medidas de controle representam um primeiro passo, mas devem-se buscar outras soluções”, afirma Alan Guizi, professor do curso de turismo da Universidade Anhembi Morumbi. O tema é mercurial, mas convém enxergar a explosão do turismo de um ponto de vista positivo: e assim caminha a humanidade. Houve, a partir do fim do século XX, avanços tecnológicos que facilitaram a compra de bilhetes de avião, sem burocracia e muitas vezes a preços convidativos. Recursos de hospedagem como o Airbnb também ampliaram os deslocamentos. Anote-se, ainda, a maior liberdade de movimentação de chineses e indianos, premidos no passado por falta de dinheiro, mas agora com uma classe média crescente. É natural que os humores do mundo, atrelados à livre iniciativa, se refletissem também nos passeios para muito além das fronteiras. Paciência é o nome do jogo — ainda que, insista-se, caiba um pouco de organização no caos. E aí sim, quem sabe, a Mona Lisa poderá sorrir mais de pertinho.

    Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908

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