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É cada vez maior o número de brasileiros que adotam crianças na África

Depois de celebridades desbravarem a trilha, aumenta número de pessoas que partem para lá em busca de um processo mais rápido e menos burocrático

Por Sofia Cerqueira Atualizado em 18 mar 2022, 15h18 - Publicado em 18 mar 2022, 06h00

Apaixonados pela África, os gaúchos Deisi e Fernando Scherer embarcaram em 2016 para sua segunda viagem ao continente. A intenção era passar um mês trabalhando em um projeto social no sul da Guiné-Bissau, ela usando sua experiência de professora e ele, funcionário de uma fábrica, ajudando no que fosse preciso. Acampado em aldeias paupérrimas, sem energia elétrica nem saneamento, o casal sentiu sua vida mudar quando deparou com Abel, 5 anos e carinha fechada. Os missionários locais disseram que o menino, com sintomas de malária, estava sempre amuado e falava muito pouco. Com os Scherer, ele se abriu. “Em poucos dias, estava todo à vontade no colo da gente. De repente, soltou para o Fernando, em kriol, o dialeto local: ‘Queria que você fosse meu pai’ ”, lembra Deisi, emocionada. Há um ano na fila de adoção no Brasil e com planos de engravidar logo, eles ficaram sabendo que a família estava disposta a abrir mão do garoto e resolveram adotá-lo. Hoje, Deisi e Fernando, ambos de 36 anos, são pais de Abel e da irmã dele, Dja, 7, de quem obtiveram a guarda em 2019.

Os Scherer engrossam as estatísticas de um fenômeno recente no país: a adoção de crianças nascidas na África. De praticamente zero, o número de africanos adotados no Brasil alcançou 51 desde 2016, e a procura só sobe. São dois os motivos principais que levam as pessoas a cruzar o oceano para aumentar a prole no continente onde se localizam 26 dos trinta países mais pobres do mundo. Além da especial afeição de muitos brasileiros pela África, o processo lá é rápido e, com pouca burocracia, leva em média entre quatro e oito meses — aqui, quem busca um bebê branco pode ficar na fila por seis, sete, oito anos. “A maioria dessas adoções é um plano B. Poderiam ter acontecido no Brasil, se a dificuldade fosse menor”, diz o advogado Rafael Lima, especializado em adoções internacionais. Os primeiros a espalhar a novidade por aqui foram o ator Bruno Gagliasso e a apresentadora Giovanna Ewbank, ao aparecer, em 2016, com a filhinha Chissomo, a Títi, então com 3 anos, nascida no Malaui. Três anos depois, adotaram Bless, 4, no mesmo país, e agora aumentaram a família com o primeiro filho biológico, Zyan, 1.

VIVA A ÁFRICA - Gagliasso e Giovanna, com os três filhos (dois nascidos no Malaui), e Angelina, com a etíope Zahara: o exemplo de celebridades -
VIVA A ÁFRICA - Gagliasso e Giovanna, com os três filhos (dois nascidos no Malaui), e Angelina, com a etíope Zahara: o exemplo de celebridades – (instagram @gioewbank; Jon Kopaloff/WireImage/Getty Images)

Fora do Brasil não faltam anônimos e famosos que, na hora de expandir a prole, procuram a África. Dos seis filhos de Angelina Jolie, Zahara, 17 anos, nasceu na Etiópia (e a atriz escolheu a Namíbia para ter a filha biológica Shiloh, 15). Madonna (leia mais na pág. 78) adotou quatro crianças no Malaui — um dos destinos mais frequentados por potenciais pais brasileiros, ao lado de Guiné-Bissau, Moçambique e Serra Leoa. Embora facilitado, o processo não é barato: entre documentação, advogados, passagens e hospedagem, estima-se gasto de 50 000 a 100 000 reais.

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No caso de Deisi e Fernando Scherer, a família ajudou financeiramente quando assumiram Abel e, para trazer Dja, fizeram uma vaquinha virtual. A adoção de Betha, 4 anos, também raspou as economias do biomédico Carlos Ranniere, 45 anos, e da farmacêutica Lara Godoi, 44, de Belo Horizonte. “Foi um choque quando pisamos na África”, lembra Ranniere, que viajou duas vezes a Lilongwe, capital do Malaui, em 2019. “Ao mesmo tempo em que há uma pobreza extrema, a diária de um hotel pode custar 1 000 dólares. Ficamos em uma pensão.” O casal, que tem um filho biológico de 9 anos, optou pela via internacional após Lara sofrer três abortos e temer que o processo aqui se arrastasse indefinidamente. Existem no Brasil em torno de 32 000 pessoas habilitadas e cerca de 3 000 menores aptos para adoção. “O problema é que a maioria das crianças está fora da idade preferencial, falta pessoal para agilizar os processos e alguns menores acabam crescendo nos abrigos”, diz o presidente da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção, Paulo Sérgio dos Santos.

MUDANÇA DE RUMO - Foi em uma viagem como voluntários pela África que os gaúchos Fernando e Deisi Scherer encontraram Abel, agora com 10 anos. Logo retornaram para adotá-lo e, em seguida, fizeram o mesmo com sua irmã, Dja, de 7. “Desistimos de ter filhos biológicos”, afirma ela. -
MUDANÇA DE RUMO – Foi em uma viagem como voluntários pela África que os gaúchos Fernando e Deisi Scherer encontraram Abel, agora com 10 anos. Logo retornaram para adotá-lo e, em seguida, fizeram o mesmo com sua irmã, Dja, de 7. “Desistimos de ter filhos biológicos”, afirma ela. – (./Arquivo pessoal)

Na África, os candidatos a pais, casados ou solteiros, costumam interagir com as crianças nos abrigos até encontrar aquela com quem mais se identificam. A audiência de adoção acontece alguns meses depois, com a família interessada presente, e, se aprovada, os novos pais já saem de lá com a guarda definitiva. No entanto, como alguns países africanos não são signatários da Convenção de Haia, que assegura vários direitos dos menores, a criança viaja como turista e a adoção só é definitivamente válida depois de homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.

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Os laços com a terra natal em geral não são rompidos, até porque os pais adotivos são incentivados a conhecer e manter contato com a família africana. “Prometi ao pai da Lara que ela se formaria e ele respondeu: ‘Se ela tiver três refeições por dia já estou feliz’”, lembra o psicólogo Daniel Simões, que junto da mulher, a instrutora de educação física Aline, ambos de 48 anos, adotou a menina na Guiné-­Bissau, em 2018. Além de Lara, hoje com 5 anos, o casal, morador do interior de São Paulo, tem Elisa, de 7, adotada bebê no Brasil após oito anos na fila. A cor de Lara, explica o pai, jamais foi levada em conta pelo casal, mas ele admite certa preocupação com a reação dos outros. “Vivemos em um país de brancos onde ainda há muito preconceito”, diz.

AMOR INSTANTÂNEO - Depois de três abortos espontâneos, Lara Godoi e o marido, Carlos Ranniere, pais de Nuno, 9, partiram para o Malaui, onde se encantaram com Betha, então com 2, e resolveram adotá-la. Passou-se um ano até a menina chegar ao Brasil. “Já a amávamos profundamente”, diz o pai. -
AMOR INSTANTÂNEO – Depois de três abortos espontâneos, Lara Godoi e o marido, Carlos Ranniere, pais de Nuno, 9, partiram para o Malaui, onde se encantaram com Betha, então com 2, e resolveram adotá-la. Passou-se um ano até a menina chegar ao Brasil. “Já a amávamos profundamente”, diz o pai. – (Mari Porto/.)

As diferenças culturais e, em alguns casos, o idioma são, de fato, barreiras que precisam ser vencidas. “Ficamos grudadas desde que nos vimos e nos comunicávamos por gestos, olhares e sorrisos”, lembra a engenheira Luciana de Paiva Paula, 33 anos, que conheceu Olga, então com 4, em uma expedição humanitária a Moçambique, em 2018. Embora lá se fale português, a menina, órfã de mãe e criada pela bisavó, só conhecia a língua macua. Como boa parte das pessoas que adotam na África, Luciana, mãe-solo no Espírito Santo, ouviu críticas pela opção, havendo tantos menores abandonados no Brasil. Sua resposta é irrefutável: “Não importa onde a Olga nasceu. O amor não tem fronteiras”. Não será um oceano que impedirá o encontro de pais sem filhos com filhos que querem pais.

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Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781

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