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Como principal concurso de fotos do mundo virou vitrine de crises

Depois de um hiato de dois anos, World Press Photo volta a São Paulo lançando luz sobre problemas locais e globais

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 set 2024, 17h49 - Publicado em 13 set 2024, 17h44

Por quase sete décadas, o World Press Photo tem nos oferecido uma janela singular para os acontecimentos mais marcantes do mundo. Isso acontece por meio de uma curadoria poderosa – a perfeita fusão entre arte e registro histórico. Desde a primeira edição, em 1955, quando a imagem de um piloto de motocross caindo de sua moto foi eleita a foto do ano, o concurso construiu uma reputação sólida e se tornou uma verdadeira vitrine de acontecimentos globais. 

Nesse acervo, algumas imagens transcenderam o aspecto informativo e viraram símbolos reconhecíveis por várias gerações: a menina correndo nua após um ataque de napalm no Vietnã, o monge budista ateando fogo ao próprio corpo, o manifestante solitário enfrentando tanques na Praça da Paz Celestial, ou ainda Dorothy Counts, a primeira aluna negra a frequentar uma escola segregada nos Estados Unidos. Ao longo das décadas, o World Press Photo tem sido um reflexo das crises humanitárias, políticas e ambientais que atingem todas as partes do globo. 

O que começou nos Países Baixos, com uma exposição local, se transformou em uma mostra itinerante mundial, que já passou por 129 países. Agora, após um hiato, ela retorna a São Paulo, onde será exibida na Caixa Cultural, trazendo as fotos vencedoras da 67ª edição do prêmio. Entre os temas abordados, estão os conflitos em Gaza e na Ucrânia, migração, família, demência e meio ambiente. Quatro fotógrafos brasileiros estão entre os premiados deste ano. A exposição, que já percorreu cidades como Rio de Janeiro, Amsterdã, Londres, Sydney e Cidade do México, ainda passará por Berlim, Roma e Hong Kong.

Conversamos com Raphael Dias e Silva, curador da exposição, sobre a importância do fotojornalismo em tempos de crise, os desafios de novas tecnologias, como a inteligência artificial, e a longevidade do concurso. Ele compartilha uma visão otimista, ressaltando o papel das imagens em trazer à tona histórias muitas vezes esquecidas.

Em tempos de desinformação e ataques à imprensa, qual o papel do fotojornalismo em manter a integridade e a verdade dos acontecimentos? E qual a importância do legado que a World Press Photo vêm construindo desde 1955 nesse novo contexto? 

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O World Press é uma competição com muita história. Nós temos dois times de forense que avaliam todas as fotos, verificam se não foram manipuladas, se não houve uso de Photoshop. Fazemos pesquisa e fact-checking de toda a informação que o fotógrafo envia para nós. O que recebemos é analisado para mostrar ao público que aquilo realmente aconteceu. Isso é fundamental para criar uma relação de confiança entre o público e nós. Além disso, trazemos histórias esquecidas para a plateia global, como a guerra em Mianmar ou a questão da demência em Madagascar. Também temos trabalhado para ser mais diversos e ter mais representatividade nas histórias e nos fotógrafos. Este ano, por exemplo, temos dois fotógrafos brasileiros abordando temas locais. Isso mostra que estamos no caminho certo, trazendo novas perspectivas e histórias que precisam ser contadas.

Como as imagens da exposição refletem os principais desafios enfrentados pela sociedade, como crises climáticas, desigualdade social e conflitos geopolíticos?

Acho que o melhor exemplo é a foto do ano. Ela captura perfeitamente os desafios enfrentados, sendo tirada por um fotógrafo de Gaza, que viveu toda a situação de conflitos por décadas. Ele havia se tornado pai uma semana antes de tirar essa foto de uma mulher segurando o corpo de sua sobrinha, morta em um ataque aéreo. Essa imagem mostra como os jornalistas são vítimas de ataques, mas também do impacto emocional e mental. Ela representa as perdas humanas em jogos geopolíticos e entra para a história como uma representação visual desse conflito.  Além disso, a liberdade de imprensa está se deteriorando no mundo todo, não apenas em Gaza. Temos fotógrafos que precisam permanecer anônimos por segurança, pessoas que enfrentam represálias legais e econômicas para realizar seu trabalho, e isso está acontecendo agora e muito perto de nós.

Como a World Press Photo tem se adaptado para continuar relevante no cenário atual de comunicação digital e rápida disseminação de imagens?

Sou otimista nesse ponto. Acho que, como a sociedade consome imagens de forma quase agressiva, quando vê imagens de alta qualidade, elas são reverenciadas. O World Press se destaca por isso, sendo um apurador de gosto. Com tanta imagem de baixa qualidade circulando, uma boa foto se destaca. Além disso, estamos extremamente cientes do desafio da inteligência artificial. Nosso processo de análise forense é bem restrito para garantir que essas tecnologias não entrem na competição.

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Com a facilidade de registrar imagens hoje, com celulares em toda parte, qual o impacto artístico das imagens no WordPress Photo, além do valor jornalístico?

Eu escreveria uma tese sobre esse tema, se pudesse. Todas as fotos que vemos no concurso representam o que o topo da indústria mundial acredita ser o melhor naquele momento. O pensamento crítico, vindo de diferentes regiões do mundo, orienta essa análise do que é uma “boa foto.”

É interessante perceber como as fotografias evoluem ao longo dos anos. Cada edição tem seu próprio estilo e reflete o desenvolvimento da indústria. Algumas imagens do nosso arquivo, que já foram consideradas exemplares, hoje talvez não atendam mais aos padrões éticos e estéticos. Isso mostra que o gosto e a definição de uma boa foto estão em constante transformação. Por isso, é fundamental manter uma postura crítica e perguntar: o que define uma foto ética? O que confere dignidade a uma imagem? Como equilibrar o apelo documental com a inovação visual, evitando clichês?

Uma foto selecionada pelo World Press Photo é uma imagem que ficará na memória. Ela não apenas documenta, mas transmite uma mensagem também por causa do impacto visual. São fotos que mesmo em meio à enxurrada de imagens diárias, nós vamos nos lembrar.

A Exposição: World Press Photo Exhibition 2024, acontece de 14 de setembro a 10 de novembro, no espaço Caixa Cultural.

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