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Por Duda Monteiro de Barros
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Escritora vira garota-propaganda sem querer após aceitar ‘termos de uso’

A sul-africana Shubnum Khan doou os direitos de sua imagem para um projeto fotográfico. E ficou chocada ao descobrir seu rosto em diversas publicidades

Por Pietra Carvalho
6 ago 2018, 19h32

Quando estava na universidade, a escritora sul-africana Shubnum Khan participou de um ensaio fotográfico gratuito. Alguns anos depois, uma amiga que morava no Canadá compartilhou em seu mural do Facebook uma propaganda vista no jornal local. Pró-imigração, a campanha estrelava uma mulher de feições indianas. Mas essa mulher não era uma imigrante e sim a própria Shubnum, em uma das imagens de sua época de estudante. A descoberta despertou a curiosidade da mulher, e desencadeou uma série de descobertas e reflexões sobre direitos de imagem e segurança online, compartilhadas por ela no Twitter.

 

Na sequência de tuítes, Shubnum disse que a incredulidade inicial foi rapidamente substituída pela confusão. Como e por que a sua foto tinha rodado o mundo? Em uma retrospectiva, um de seus amigos trouxe a resposta. Quando era estudante universitária, a sul-africana havia se voluntariado para um ensaio intitulado 100 Faces Shoot. A ideia era fotografar 100 rostos de todas as cores e raças em Durban, sua cidade na África do Sul.

No início, os participantes assinaram um formulário, que ela julgou ser para o uso das imagens no portfólio do fotógrafo. Mas a escritora admite a inocência em não ler todos os termos do contrato, incluindo as letras miúdas. “Entrei em contato com o fotógrafo e ele disse que, sim, nós autorizamos o uso dessas fotos, que agora eram parte de um banco de imagens, sendo vendidas.”. O profissional ainda alertou que elas poderiam aparecer em mais lugares, motivando as buscas de Shubnum.

Ela descobriu, então, que seu rosto era usado para ofertar vários tipos de produtos e ideias. Um consultório dentário em Virginia Beach estampava o sorriso de Khan. Ela também pode ser vista vendendo tapetes em Nova York, fazendo caminhadas no Camboja e utilizando um aplicativo de relacionamentos na França. Mas esses figuram entre os usos mais inocentes dessas imagens. Repletas de alterações digitais, ela é utilizada por clínicas estéticas como exemplo de um antes e depois bem sucedido. Ganhando outra identidade, Shubnum agora é Dina M., uma mulher insatisfeita com o melasma adquirido no pós parto, resgatada pelo produto Dermolyte. Até mesmo uma citação é atribuída à personagem. Além disso, sua foto com olhar triste também estampa um artigo sobre hiper pigmentação.

Ela lembra que a exaltação de uma aparência irretocável não é a parte mais chocante. O uso de sua foto em alguns anúncios de serviços a deixaram bastante preocupada com as repercussões. No site Study Bridge, utilizado para contratação de professores particulares, um perfil com sua foto, sob o nome de Chandra S., oferta aulas em matérias exatas. Se a imagem é ficcional, quem estaria por trás da descrição? Ao questionar o fotógrafo sobre esse tipo de desdobramento, ele respondeu que os termos incluíam a possibilidade de “distorção de características, incluindo nomes falsos”.

Além de nenhum dos participantes do ensaio terem sido pagos pelas propagandas posteriores, o total desconhecimento a respeito do que é promovido, assim como a desonestidade por trás dessas campanhas, foram pontos refutados pelo fotógrafo, que disse ter feito tudo dentro da legalidade. Além disso, ele afirmou ter alertado de antemão sobre as possíveis modificações das fotos, fato negado por Shubnum. A sul-africana reflete que, ao longo dos anos, sempre riu quando alguém a encontrava nas mais aleatórias publicidades. Só que, conforme foi amadurecendo e ponderando sobre o possível impacto negativo desse uso indevido de imagem, passou a militar por um maior cuidado com a exposição online.

As implicações legais do uso indevido de imagem

Ao #VirouViral, Carlos Affonso, professor de direito da UERJ e Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), faz alerta semelhante. Ele destaca que as redes sociais explicitam em seus termos de uso a cessão de conteúdo para a plataforma, em uma licença global, gratuita e não exclusiva. Ou seja, ao compartilhar fotos no Instagram e no Facebook, ambos automaticamente ganham direitos sobre essas imagens. E isso com autorização, já que aceitam-se os termos de uso.

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Por isso mesmo, Carlos destaca: O caso de Shubnum não é exclusividade de quem faz ensaios: “Hoje em dia, com a cultura da selfie, todo mundo é modelo, de certa forma”. O que não quer dizer que não existe amparo legal para possíveis abusos de poder. No caso da sul-africana, o professor explica que a presença de cláusulas muito abrangentes é passível de processos: “só isso já é questionável em juízo, mas esse caso em específico ainda mostra outra questão. Ainda que ela tenha assinado essas cláusulas mais abrangentes, existe o direito de identidade. Não é porque ela autorizou o direito muito abrangente de imagem, que isso autoriza a mudança irrestrita do seu nome e características. Alguns casos julgados, inclusive, já consideraram que a imagem é muito mais que aparência, inclui essa visão da pessoa em sociedade”.

Esse parecer leva em conta que os direitos de imagem e identidade são inalienáveis. Ou seja, não podem ser vendidos. Por mais que um indivíduo conceda sua imagem ou identidade por meio de um acordo, isso acontece somente de maneira patrimonial, a pessoa não transfere os direitos para terceiros. Usos ofensivos de um perfil anulam qualquer assinatura. Affonso exemplifica com o uso ilegal de imagens em sites pornográficos. Ameaça à honra, é um dos casos em que o direito daria vitória à parte ofendida.

A história de Shubnum Khan é mostra de um claro conflito entre direito autoral e direito de imagem, mas em tempos em que ambos se confundem, com os autores das imagens não obtendo poder absoluto sobre elas, o recado do especialista é claro: “Leia as cláusulas antes de aceitá-las. E não as assine se forem abrangentes demais”.

 

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