“O coronavírus me impediu de trabalhar”, diz benzedeira de 101 anos
Lúcida e dona de ótima memória, Dona Albertina exercia seu ofício de segunda a segunda

Lúcida, com raciocínio rápido e com uma rotina de trabalho diário, cujo início se dava por volta das 7 da manhã quando a primeira pessoa batia palma na porta de sua casa em busca de uma bênção. Foi assim ao longo das últimas oito décadas, de segunda a segunda, até chegar o coronavírus. Aos 101 anos de idade, Albertina Coutinho Barbosa acabou sendo proibida por seus médicos de atender o público em cima de seu fogão de lenha desativado, em sua residência na cidade de Extrema, na divisa entre Minas Gerais e São Paulo. Ativa e curiosa, a senhora de 1,50 metro e cabelo na altura da cintura está entediada. Até a eclosão da epidemia, Dona Albertina recebia mais de trinta pessoas por dia sem cobrar um centavo do visitante. “Tem gente que chega logo após o galo cantar. Mesmo se estiver deitada na minha cama, levanto para atender. Ninguém vem aqui porque está tudo bem”, diz.
Nascida em família humilde na zona rural de Consolação, cidade do sul de Minas, ela cresceu tomando remédios naturais. “Não havia farmácia nem dinheiro, então todos os males eram curados com o que tínhamos no quintal. Com 10 anos de idade, eu já sabia as receitas de cabeça”, lembra. A missão que a tornaria conhecida, no entanto, foi apreendida alguns anos mais tarde, após o casamento. A bisavó de seu marido benzia escravos em uma fazenda da região. “As criancinhas viviam em cativeiro e só podiam comer quirera. A bênção servia para confortar o coraçãozinho delas.”

De criança, Dona Albertina entende. Ela teve catorze filhos, nove biológicos e cinco adotivos. “Perdi dois deles: um por cirrose e outra por um câncer. Podemos até nos acostumar, mas a dor não passa.” Uma de suas vaidades é falar como sua memória segue afiada. “Eu só tomo remédio para diabetes e hipertensão, mas a cabeça está boa. Sei a data de nascimento de todos filhos, netos, bisnetos e tataranetos.” Embora reclame de dores nas articulações, Dona Albertina se locomove sozinha com a ajuda de um andador. Seu cabelo tem mais fios pretos do que brancos. “Nunca pintei cabelo nem passei esmaltes nas unhas. Também pode colocar na reportagem que não sei o que é injeção.”
Um pedaço de pau, uma faca e muita fé são seus instrumentos de trabalho. Dona Albertina diz cortar toda sorte de adversidades: mau-olhado, inveja, depressão… Ela cita problema por problema enquanto bate com a ponta de um facão no pedaço de pau. Boa parte do público é composto por crianças trazidas por suas mães com questões de falta de apetite e dificuldade para dormir. Traduzindo para o donaalbertinês: “quase sempre, quebranto e lombriga.”

A senhora de 101 anos não vê a hora de a pandemia acabar para voltar a dar expediente. Duas de suas filhas, Sônia e Ana, se revezam para cuidar da mãe, que concedeu o seguinte depoimento a VEJA.
“Comecei a trabalhar na roça ainda quando era criança. O pré-natal de meus filhos era feito assim: segurando a enxada. Daí chegava em casa, tinha o filho e depois vida normal. Criei todo mundo assim, em casa com luz de querosene. Eu não nasci pensando que seria benzedeira, mas a vida quis assim. A bisavô do meu marido cuidava de crianças escravas, que só faziam trabalhar. Não brincavam e só podiam comer quirera. Aprendi com ela. Quando eu me mudei para Extrema, há muitos anos, segui esse dom de cortar os problemas. Antes, eu cortava com a brasa do fogão a lenha mesmo. Eu não faço rezas, mas corto problemas. Com um facão, bato no pedaço de lenha para cortar as enfermidades. Hoje em dia, a cada mês, eu sapeco o pedaço de madeira no fogo para queimar os problemas.
Não fico com os problemas das pessoas, essa coisa de energia pesada. Corto os problemas e acabou. Dom é dom, não cobro nada. Essa é a minha vida. Macumba e feitiço não existem. Explico sempre para as pessoas: só existe Deus. E ele mora em nosso coração.”