Como as redes sociais estão impactando a vida amorosa, segundo juíza
Andréa Pachá mostra a visão dos relacionamentos no fim do amor em edição comemorativa do livro ‘A vida não é justa'
Dez anos após a publicação do seu primeiro livro de crônicas, a desembargadora e escritora Andréa Pachá, 59 anos, sentiu a urgência de escrever novos textos, que dessem conta das muitas transformações sociais e políticas no Brasil. A partir disso nasce a edição comemorativa de A vida não é justa, com um olhar positivo (mas reflexivo) sobre o término das relações julgado e decidido dentro de uma vara de família – quando atuava como juíza. Nesta terça-feira, 24, Andréa lança a obra na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, no Rio.
O que mudou nas relações nos últimos tempos? Eu falo de um lugar de observação das relações quando elas chegam ao fim, normalmente o que chega em uma vara de família são relações que já acabaram ou que precisam resolver o fim do amor na Justiça. E eu percebo que houve, primeiro, uma infantilização muito grande das relações interpessoais. É como se as gerações mais jovens não tivessem mecanismos para lidar com a dor e o desamparo. Muitas demandas que historicamente não chegavam ao judiciário começaram a vir como conflitos. Casos como “qual escola o filho vai estudar”, “a que horas vai voltar para casa”… Como se precisasse da intervenção estatal para mediar relações que deveriam partir do protagonismo do poder familiar.
De que forma as transformações recentes, como a voz dada a minorias, mudam o judiciário? Elas não mudam só o judiciário, mas toda a sociedade. Nós passamos muito tempo vivendo como se todas as pessoas devessem caber em um padrão de normalização, estabelecido por um grupo que dominava e controlava o poder. Na hora que se traz a voz das mulheres, das crianças, da população LGBTQIA+, tudo muda. Como se garante a essas pessoas os direitos que devem ser garantidos a toda sociedade? Passamos a conviver em um ambiente social no qual essas pessoas existem, tem voz e direitos. O Judiciário trabalha para dar visibilidade desses direitos e garantir a efetividade.
Você levanta uma hipótese no livro de que as redes sociais estão matando o amor. Por quê? A gente não pode dizer que elas estão matando o amor, mas as redes sociais inauguraram uma ferramenta de comunicação que tem impactado as relações, inclusive as amorosas. Difícil hoje você encontrar um conflito de natureza familiar ou afetiva que não passe por informações que transitam nas redes sociais.
Alguém já percebeu que a própria história estava no livro? Olha, eu não faço um trabalho etnográfico, é um trabalho de observação. As histórias nascem da observação de mais de 20 mil audiências que fiz como juíza da vara de família. Não tenho uma história que tenha acontecido exatamente como a narrada no livro. O que acontece é que as histórias dos amores e do fim dos amores acabam sendo parecidas, embora cada um enfrente a dor do seu lugar. Mas não é raro eu receber mensagens de pessoas que leram o livro e se reconhecem nas histórias.
Uma das crônicas é de uma mulher que viu o marido ser “contaminado” pelo negacionismo das redes sociais. Um cenário, aliás, que ficou comum nos últimos anos. Acha que esse cenário vai melhorar? Tenho uma formação que me faz esperançosa e otimista. O que estamos vivendo é extremamente difícil, mas ao mesmo tempo que temos grandes retrocessos, também há avanços – como na afirmação de direitos, no respeito às pessoas… Ainda que a gente fique ressentido, impactado, ou imaginando que não tem mais jeito, é bom lembrar que a vida humana é feita de marchas e contramarchas.
Por que a vida não é justa? Normalmente quando se vai à Justiça buscar a sentença de um juiz, o que buscam é justiça. E o que faz um juiz no fim do amor, não é nada que possa se chamar de justo. O termo “A vida não é justa” significa que qualquer que seja o desfecho de uma relação, de um sonho, de um projeto, vai sempre esbarrar na nossa condição humana, que nem sempre nos leva à premiação se você fez tudo certo, e muito menos o contrário. A gente não pode esperar que a vida nos premie ou que nos puna diante das nossas ações. O nosso compromisso não é com a justiça nesse sentido, não é com a justiça que acontecerá no final.