20 anos de ‘Nova Iorque Contra o Crime’
No dia 21 de setembro, a série Nova Iorque Contra o Crime/NYPD Blue completou 20 anos de sua estreia. Um marco da televisão americana, que tentou levar para a rede aberta o realismo visto na TV a cabo, a série foi criada Steven Boccho e David Milch. O primeiro já tinha oferecido a revolucionária Chumbo […]
No dia 21 de setembro, a série Nova Iorque Contra o Crime/NYPD Blue completou 20 anos de sua estreia. Um marco da televisão americana, que tentou levar para a rede aberta o realismo visto na TV a cabo, a série foi criada Steven Boccho e David Milch. O primeiro já tinha oferecido a revolucionária Chumbo Grosso/Hill Street Blues, na década de 1980, e o segundo seria o responsável por Deadwood, série que redefiniu o gênero faroeste na TV.
Nova Iorque Contra o Crime era uma versão atualizada de Chumbo Grosso. Mesmo gênero, mesma proposta, mas mais ousada. A série foi uma das produções que soube explorar o afrouxamento nas regras impostas pelo FCC, que permitiu uma abordagem mais realista das histórias que eram contadas na TV. A ideia surgiu quando Bochco percebeu que a produção da TV a cabo se tornaria uma forte concorrente para os canais da rede aberta.
Na época, início da década de 1990, alguns canais como Showtime e HBO estavam começando a investir com mais regularidade em produções originais. Ainda assim, a maioria dos canais a cabo destinavam sua grade de programação à exibição de filmes produzidos para o cinema, os quais eram oferecidos sem cortes. Com isto, os canais a cabo estavam começando a formar um público específico, o qual, no futuro, exigiria das produções televisivas o mesmo nível de conteúdo.
Antecipando esta cobrança e determinado a produzir uma série realista, Bochco desenvolveu o projeto de Nova Iorque Contra o Crime e chamou Milch, um dos principais roteiristas de Chumbo Grosso, para fazer parte da equipe de produção. Por sua vez, Milch convidou o detetive Bill Clark para atuar como consultor e, eventualmente, produtor da série. Clark ganhara notoriedade em 1977, quando foi um dos responsáveis pela prisão de Richard Falco, assassino em série conhecido como Son of Sam.
O projeto foi oferecido à rede ABC, que encomendou a produção de um episódio piloto para avaliação. Impressionados com o resultado, os executivos do canal decidiram encomendar a produção da primeira temporada, mas estavam preocupados com a linguagem vulgar e cenas de nudez que seriam utilizadas ao longo da série. O fato de poderem explorar uma abordagem realista não dava permissão ao canal de exagerar no tom, seja em função do FCC, dos anunciantes ou da aceitação pública. Assim, teve início uma longa negociação entre o canal e Bochco para determinar a quantidade de cenas e linguajar considerado obsceno que seria utilizada a cada episódio. As negociações duraram cerca de quatro meses.
Neste meio tempo, o piloto foi apresentado para os executivos dos canais filiados para avaliação. Nos EUA, os canais regionais não têm obrigação de retransmitir cada programa exibido pelo canal ao qual é associado. Esta é uma escolha que cabe aos diretores de cada canal regional. Segundo Milch em seu livro The Real Stories Behind NYPD Blue, mais de 65% dos canais regionais se opunham à exibição da série. Embora reconhecessem a qualidade do produto, eles temiam os boicotes e a reações negativas que a exibição da série geraria junto ao seu público, em especial as cidades da região sul.
Enquanto isso, organizações que defendem os valores familiares começaram a se manifestar, comprando espaços publicitários em jornais e revistas nos quais convidavam o público a combater a sujeira em que estava se transformando a programação televisiva. Uma das estratégias desses grupos é a de promover boicotes contra produtos que anunciam nos intervalos comerciais de programas considerados impróprios. Nova Iorque Contra o Crime se tornou rapidamente alvo desta organizações. Mas a campanha contra apenas ajudou a divulgar a série, tornando-a uma das produções mais aguardadas na nova temporada.
Buscando apaziguar os ânimos, a rede ABC entrou em contato com Bochco para tentar convencê-lo a reeditar o episódio piloto. Bochco continuava se negando a promover mudanças na abordagem. Para ele, a rede aberta necessitava urgentemente de uma série como aquela se quisesse manter seu público, tendo em vista a inevitável escalada da TV a cabo. As partes chegaram a um acordo quando a rede ABC prometeu a Bochco que, se ele reeditasse a cena de sexo do piloto, eles defenderiam o produto junto aos canais regionais e anunciantes, e lidariam com as pressões vindas de grupos que defendem os valores tradicionais. Bochco concordou. Assim, a cena, considerada longa e explícita, foi reeditada. O restante permaneceu o mesmo.
A estratégia não foi suficiente para convencer todas as filiais da ABC. Cerca de 57 de um total de 225 continuaram se recusando a exibir a série, que estreou no dia 21 de setembro de 1993 conquistando a média de 15.4 milhões de telespectadores, com 27% de share (número de residências sintonizadas em um determinado programa). Ao longo dos episódios, a temporada manteve a média de 19.3 milhões de telespectadores, contando também com o apoio da crítica, que abraçou com entusiasmo a nova série policial da TV americana.
Nos bastidores, Nova Iorque Contra o Crime enfrentava outros problemas. A série girava em torno da vida e dos trabalhos realizados pela dupla de detetives Andy Sipowicz e John Kelly. O primeiro é o mais velho e experiente que tem problemas de lidar com a bebida. O segundo é um rapaz filho de um policial morto em serviço. Dedicado ao trabalho, ele se torna amigo de Sipowicz, mas os problemas pessoais do parceiro o deixam apreensivo quanto à sua capacidade profissional.
Quando a série foi concebida, Bochco tinha em mente que Sipowicz seria o foco principal. A ideia era explorar a forma como seus conflitos pessoais e seu temperamento afetam seu trabalho e as pessoas que o cercam. O personagem foi entregue a Dennis Franz, ator que integrou o elenco de Chumbo Grosso, chegando a estrelar sua spinoff, a dramédia Beverly Hills Buntz. Para interpretar Kelly, os produtores escolheram o ator Jimmy Smits, que já tinha estrelado Nos Bastidores da Lei/L.A. Law, outra produção criada por Bochco, que fez sucesso na década de 1980. Mas, na época, Smits não estava interessado em voltar a estrelar uma série. Assim, teve início uma busca por um outro ator.
David Caruso (CSI: Miami) chegou a fazer testes para interpretar Kelly, mas Milch não gostou da forma como ele apresentou o personagem. Clarke que, ao assistir ao filme Mulher Para Dois viu Caruso interpretando um policial, convenceu Milch que o ator era perfeito para o papel. Mas Caruso se revelou uma grande dor de cabeça para a produção ao longo de sua primeira temporada. Exigente, cobrando mais participação de seu personagem na trama, e criando dificuldades de relacionamento entre os colegas e a equipe técnica, Caruso promoveu diversas discórdias e atrasos que ocorreram na produção. Ele não foi o único. Segundo o programa NYPD Blue: A Final Tribute, os atores e a equipe técnica também enfrentaram o alcoolismo de Milch, que constantemente fazia mudanças nos roteiros na última hora, muitas vezes durante as filmagens.
Com o sucesso rapidamente conquistado pela série, Caruso decidiu renegociar seu contrato quando a produção foi renovada para sua segunda temporada. Ele pedia um aumento salarial que elevava significativamente o orçamento de produção da série. Querendo fazer cinema, Caruso também exigia que ele fosse liberado dos trabalhos com a série, o que forçaria os roteiristas a reduzir a presença de seu personagem na trama. Ao mesmo tempo, ele cobrava maior participação de seu personagem na história.
Bochco concordou com os termos de Caruso e ainda ofereceu um bônus ao ator para cada vez que Caruso deixasse de causar problemas nos bastidores atrasando as filmagens de cada episódio. Recebendo ofertas para estrelar filmes para o cinema, Caruso não chegou a um acordo com a produção da série. Assim, o ator decidiu se afastar do elenco de Nova Iorque Contra o Crime. Ao tomar conhecimento da decisão de Caruso, a ABC tentou fazê-lo mudar de ideia, mas sem sucesso.
O ator ainda filmaria os primeiros episódios da segunda temporada para definir a saída do personagem. Os roteiristas, que já estavam desenvolvendo os novos episódios, tiveram que reestruturar toda a trama que estava em desenvolvimento para acomodar a mudança. Caruso estava disposto a filmar dois episódios, Bochco exigia quatro episódios e a rede ABC queria que a presença de Kelly se estendesse a oito episódios. No fim, prevaleceu a vontade de Bochco. Para substituir Caruso, os produtores voltaram a convidar Smits, que desta vez aceitou. Smits interpretou o detetive Bobby Simone, que se tornou um dos melhores amigos de Sipowicz e se envolveu com a policial Diane Russell (Kim Delaney).
Smits permaneceu no elenco até a sexta temporada, quando decidiu não renovar seu contrato. Segundo o programa NYPD Blue: A Final Tribute, ele tomou esta decisão por não aguentar mais trabalhar com Milch. Assim, seu personagem morre após passar por uma cirurgia de transplante de coração.
Em seu lugar, a produção chamou Ricky Schroeder, ex-ator infantil que fez sucesso com o remake do filme O Campeão e a sitcom Silver Spoons. Interpretando o detetive Danny Sorenson, o ator permaneceu no elenco até a oitava temporada, deixando a série para poder passar mais tempo com a família.
Seu personagem morre e é substituído por Mark-Paul Gosselaar, outro ex-ator infantil que fizera sucesso com a sitcom Galera do Barulho/Saved By The Bell. O ator permaneceu no elenco até o final da série, que teve um total de doze temporadas e 261 episódios.
Nova Iorque Contra o Crime entrou para a história da televisão como uma experiência bem sucedida, mas que não conseguiu promover uma revolução nas séries produzidas para os canais da rede aberta. Ao contrário. Os dramas policiais da rede aberta estão cada vez mais distantes da abordagem vista na TV paga.
A série também é apontada como a responsável por fazer surgir novas organizações sem fins lucrativos que têm como objetivo vigiar a programação da rede aberta, entre elas, a Parent Television Council, que nas últimas décadas se estabeleceu como uma das mais ferrenhas na defesa de valores familiares na TV.
Considerando que a rede aberta não estava sabendo explorar com responsabilidade a abordagem dita realista, o FCC decidiu enrijecer as regras quando, em 2004, um incidente com a cantora Janet Jackson na transmissão do Superbowl deixou um de seus seios à mostra. Assim, o órgão estabeleceu uma nova regra (sancionada em 2006), a qual determina uma multa automática para toda e qualquer produção que utilizar cenas ou linguagem obscenas. Os canais recorreram e em 2009 a justiça americana decidiu que cenas rápidas de nudez ou palavrões ocasionais não poderiam ser enquadrados nesta regra. Em 2011, a rede ABC conseguiu anular na justiça uma multa aplicada pelo FCC em relação a um episódio de Nova Iorque Contra o Crime exibido em 2003. Reproduzindo uma cena do filme Kramer vs. Kramer, o episódio mostrou uma das personagens femininas completamente nua no banheiro e sendo flagrada por um menor de idade.
Apesar de não ter conseguido promover mudanças na abordagem de séries da rede aberta, Nova Iorque Contra o Crime (ao lado de Homicide: Life on the Street, produzida na mesma época) conseguiu influenciar a produção de séries policias que, sutilmente, lapidaram personagens e situações nos mesmos moldes.
No Brasil, a série chegou pela Rede Globo e teve suas primeiras temporadas lançadas em DVD pela Fox.
Cliquem nas fotos para ampliar.
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=ME9B5hmiesw&w=620&h=330%5D