Há alguns anos, em um almoço de negócios em Londres, os cineastas Armando Iannucci e Sam Mendes conversavam sobre uma possível colaboração. Depois de trocarem ideias sem muito sucesso, Mendes relatou ao colega o caos que presenciou nos bastidores de 007 contra Spectre (2015), longa de James Bond que ele acabara de dirigir. Do relato despretensioso surgiu um embrião promissor: uma série cômica que satirizasse as produções de grandes franquias — mais precisamente as de super-heróis, que dominaram o cinema na última década com filmes da Marvel e DC Comics. Batizada de A Franquia, a série enfim estreia na HBO e na Max neste domingo, 6, com uma proposta curiosa: fazer piada do gênero que, nos últimos anos, foi reproduzido em escala industrial para agradar a uma legião de fãs fiéis e encher o cofre dos estúdios — inclusive o da Warner Bros., que tem entre seus negócios a DC e a HBO.
The Marvel Cinematic Universe – Official Timeline
Depois de uma temporada lucrativa de domínio avassalador nas bilheterias, os heróis têm amargado fracassos no cinema, com longas como As Marvels e Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, ficando muito aquém do esperado — ao mesmo tempo que a desgastada DC passa por uma tentativa de reformulação. Frente à fórmula saturada, rir dos superpoderosos e de toda a loucura que os acompanha surge como alternativa providencial. Além da nova trama da HBO, The Boys fez sucesso no Prime Video ao transformar os ilibados super-heróis em vilões caricatos e preconceituosos com planos assustadores de dominação global. Já nos cinemas, um dos maiores sucessos recentes do gênero é Deadpool & Wolverine, filme que, além do grandalhão com garras afiadas, tem como estrela o anti-herói desbocado vivido por Ryan Reynolds, que faz rir com a própria desgraça.
Funko Pop! Deadpool & Wolverine
Inovadora nesse sentido, A Franquia mergulha nos bastidores do caos para tirar sarro de como as tramas são feitas. Sob o comando de Jon Brown, que atuou como roteirista em Succession, a produção acompanha o elenco e a equipe de Tecto, um filme questionável sobre um herói capaz de gerar terremotos. Para sair do papel, o longa enfrenta todo o tipo de situação: há um astro gostosão que se divide entre o ego de protagonista e a insegurança ao gravar cenas; assistentes de produção indo à loucura com ensaios cancelados; uma produtora promovida depois de ir para a cama com um “ator australiano muito famoso”; um chefão que garante que a fadiga das franquias é uma farsa — e até uma tentativa falha de inserir mulheres num universo sempre dominado por homens. Tanto material, vale destacar, é fruto de uma pesquisa que mergulhou nos bastidores reais da indústria e captou ali anedotas peculiares. Não há melhor antídoto à mesmice dos heróis, afinal, que uma sátira superpoderosa.
Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913