Para milhões de pessoas, a vida no início de 2020 era assim: acordar cedo, pegar um transporte público, tomar café rápido em uma padoca e correr para não chegar atrasado em algum escritório corporativo. Todo dia, éramos obrigados a conviver com outras pessoas de costumes e manias diferentes. Algumas eram divertidas, obviamente, enquanto outras gostavam de puxar o saco do chefe. Outras eram incompetentes, ou até maldosas. Mas sempre tinha aquela pessoa que resolvia tudo. Não raro, surgiam nesses ambientes casos de amor ou mesmo rivalidades. E então, de repente, essa rotina de anos, à qual já estávamos confortavelmente acostumados, foi subitamente interrompida pela pandemia. Todos se viram enclausurados em suas casas, em home office. E agora?
Para milhões ao redor do mundo, a melhor alternativa para aplacar o tédio na quarentena foi apelar às maratonas no streaming, claro. E lá no meio daquela infinidade de títulos para assistir, um se destacou: The Office. Pesquisa divulgada recentemente pela Nielsen apontou a série como a mais assistida na Netflix nos Estados Unidos no ano passado, com impressionantes 57 bilhões de minutos exibidos – em segundo, veio Grey’s Anatomy, com 39,4 bilhões de minutos.
Por que, lá se vão oito anos desde que seu último episódio inédito foi exibido, a série cômica sobre a selva humana de um escritório revelou-se tão poderosamente atraente? Bem, o fato de The Office ser o máximo ajuda a explicar seu eterno apelo. Mas é provável que algo mais a tenha turbinado em 2020: o pessoal anda com saudades, quem diria, de um bom e frugal dia de trabalho corporativo.
Aquela sitcom com 201 episódios de 30 minutos cada nos remetia, afinal, às idiossincrasias daquele ambiente, com personagens tão caricatos quanto verdadeiros, interpretados pelos atores Steve Carell, Rainn Wilson, John Krasinski e Jenna Fischer, entre outros. O chefe sem noção, a secretária divertida, o puxa-saco, o estagiário… As brigas entre os setores de vendas e contabilidade, as discussões com a matriz, fusões, demissões, mudanças de dono, concorrência. Tudo voltou. E o melhor: tudo parecia tão divertido. Eis, enfim, mais um caso em que a TV alimenta a nostalgia não necessariamente por um passado de verdade, mas por uma versão idílica dele, desprovida do tédio e das chateações inevitáveis de um dia regular de expediente.
Ainda não foram divulgados os números das séries mais assistidas do Brasil em 2020, em que The Office não está disponível na Netflix, apenas na Amazon Prime Video e na Globoplay. Seja esse número qual for, é certo que eu terei ajudado a alavancar a audiência da série, já que assisti a todos os episódios durante a pandemia – três vezes cada um deles. (calma, chefia: juro que esse vício não prejudicou meu desempenho no home office!) Minha “performance” nem é tão alta assim, se comparada à da cantora Billie Eilish: ela viu todos os episódios quinze vezes. E, com aqueles cabelos verdes, certamente nunca trabalhou em um escritório de verdade.
Um dos segredos do sucesso de The Office é o seu formato, filmado como se fosse um documentário acompanhando a rotina de uma empresa comum dos Estados Unidos. Os personagens interagem com a câmera e dão depoimentos sobre os acontecimentos do dia-a-dia, quase como se fosse um reality show. Talvez venha daí a graça: temos a sensação de que somos um espectador privilegiado daquele lugar.
Outro ingrediente do sucesso é o humor ácido, herança direta de seu criador original, o humorista britânico Ricky Gervais. O nível de vergonha alheia a que a série submete o espectador, estampada principalmente nas ações sem-noção do chefe Michael Scott (interpretado brilhantemente por Steve Carell) pode afastar algumas pessoas, especialmente na primeira temporada. Mas, na mesma velocidade com que odiamos o personagem, passamos a amá-lo e a rir (às vezes, de nervoso) de suas atitudes desastradas, que caminham em uma linha tênue entre a graça e o mau gosto. A balança, no entanto, sempre pende para o lado divertido. E você, leitor egresso do mundo corporativo: já está com saudades do seu querido escritório?