De Lost a Pluribus: o curioso fascínio pelas séries sem respostas fáceis
Recém-lançada, Pluribus suscita teorias malucas e reforça tradição das séries que se espalham graças ao boca a boca de fãs obcecados por seus mistérios
Um grupo de cientistas capta um sinal extraterrestre enviado de algum ponto a 600 anos-luz da Terra. Em vez de um “olá”, a transmissão contém uma sequência intrincada de códigos que formam uma receita de RNA semelhante à de um vírus. Reproduzido em laboratório pela equipe, o organismo escapa do ambiente estéril e espalha-se pelo planeta, transformando a humanidade em zumbis ultrassimpáticos e civilizados, conectados a uma consciência coletiva, na qual todos têm acesso ao mesmo conhecimento, ações sincronizadas e uma felicidade e aparente segurança constantes — com exceção da escritora best-seller Carol Sturka (Rhea Seehorn) e de mais uma dezena de pessoas imunes à comunhão psíquica. Escrita por Vince Gilligan, criador dos sucessos Breaking Bad e Better Call Saul, Pluribus estreou na Apple TV há um mês, vertendo-se em sensação no mesmo ritmo em que a pandemia peculiar se espalhou na trama.
Com uma narrativa complexa e repleta de incógnitas, a série de ficção científica é o exemplar mais recente de uma seara que faz sucesso desde os tempos da velha TV linear e que ganhou fôlego extra no streaming: as tramas que funcionam como quebra-cabeças narrativos e desafiam o espectador a acompanhá-las sem saber para onde vai a história, pelo prazer de decifrá-las de maneira quase coletiva. Só no fórum on-line Reddit, a principal comunidade de Pluribus reúne cerca de 85 000 pessoas que compartilham semanalmente suas apostas sobre a história, com ideias que variam do plausível à viagem completa. A situação se repete no X, no qual a hashtag da produção é recheada de palpites curiosos, impulsionando a trama por meio do boca a boca e da curiosidade insaciável.
Apesar do boom recente, o expediente de usar a falta de respostas como trunfo de popularidade é antigo: exibidos na TV, clássicos como Twin Peaks e Lost ultrapassaram as telas e invadiram as rodas de conversa enquanto estiveram no ar. Com espectadores ávidos em compartilhar suas teorias, surgiram narrativas hipotéticas como a de que os passageiros do voo 815 de Lost, por exemplo, faziam parte de um experimento científico, ou a de que teriam morrido na queda. Na era do streaming, uma das maiores catalisadoras de especulações foi a alemã Dark, da Netflix: ao transformar o misterioso desaparecimento de uma criança e um Apocalipse iminente numa trama de viagem no tempo e múltiplas dimensões, a série suscitou discussões sobre a possibilidade de que tudo fosse uma simulação, com o protagonista como grande vilão — a teoria que no fim das contas se mostrou acertada apostava na existência de um mundo embrionário que originou os acontecimentos da trama. Já na recente distopia corporativa Ruptura, também da Apple TV, as hipóteses vão da existência de clones humanos até a ideia conspiratória e esotérica de que a obscura empresa Lumon, na verdade, seja uma seita religiosa que usa a tecnologia para criar devotos perfeitos destinados à salvação.
Com tanta gente falando sobre um mesmo assunto, é difícil não cair na tentação de acompanhar a trama para entrar na discussão e testar o próprio cérebro. No caso de Pluribus, até o momento há seis episódios disponíveis e uma segunda temporada confirmada. Com a série ainda no início, e a expectativa de que se estenda por até quatro temporadas, é arriscado bater o martelo sobre o que vem pela frente. Por enquanto, uma das teorias mais populares, e que ganhou força com os episódios recentes, é a de que o leite consumido pelos infectados seria proveniente de restos mortais humanos, evocando um paralelo com o cultuado filme distópico Soylent Green, de 1973. Nesse cenário, as mortes causadas a cada surto de fúria de Carol seriam benéficas, já que gerariam mais “alimento” para os infectados. Há também a ideia de que os surtos, na verdade, não estejam matando pessoas, mas sim libertando-as da consciência coletiva.
Num contexto mais amplo, as hipóteses apontam a série como uma alegoria para o comportamento de manada das redes sociais, ou mesmo um alerta sobre o avanço da inteligência artificial — nesse caso, a consciência coletiva não seria causada por um vírus, mas por um software que conecta a mente das pessoas a uma realidade virtual. Os “imunes”, como a protagonista, seriam aqueles que tiveram despertares prematuros. Muita água ainda vai rolar até termos as respostas para esse sucesso intrigante.
Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição nº 2973
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