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O diário de um fotógrafo disfarçado de hooligan na Eurocopa de 2000

Alexandre Battibugli, de PLACAR, se passou por torcedor britânico e registrou boas histórias e imagens na competição sediada por Bélgica e Holanda

Por Luiz Felipe Castro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 1 jul 2021, 09h51 - Publicado em 1 jul 2021, 09h47

A Eurocopa de 2020, adiada em um ano devido à pandemia do novo coronavírus, segue a todo vapor e com ingleses eufóricos com a possibilidade de conquistar um título inédito e em casa, já que a final acontece em Wembley, em Londres, daqui dez dias. No próximo sábado, 3, a Inglaterra enfrenta a Ucrânia, pelas quarta de final, em Roma. Há duas décadas, ocorreu a primeira Euro com sede dividida, na Holanda e na Bélgica. PLACAR estava lá, aliás, era o único veículo da imprensa brasileira cobrindo a competição in loco. O fotógrafo Alexandre Battibugli mergulhou na experiência e não só produziu belas imagens e textos, como chegou a se disfarçar de hooligan britânico para uma reportagem publicada na PLACAR de julho de 2000.

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Na época, os resquícios dos tempos de hooliganismo, como ficou conhecido o comportamento de torcedores violentos, que causavam desordem e vandalismo nos estádios, especialmente na Inglaterra, eram mais fortes. Nosso fotógrafo não se envolveu em nenhuma briga, evidentemente, mas em uma das paradas da viagem, comprou camisa do “English Team” e até uma cerveja (apesar de não beber) e se uniu a um grupo de fãs britânicos, empolgados com a ascensão da nova estrela da equipe, Michael Owen. O time, porém, acabaria eliminado na primeira fase, junto com a Alemanha, num grupo em que Portugal e Romênia avançaram.

Battibugli enfrentou olhares atravessados no trajeto de Bruxelas a Charleroi vestido de hooligan, mas, 21 anos depois, relembra qual foi o verdadeiro desafio daquela viagem. “A transmissão de fotos era um perrengue enorme, pois eram os primórdios da internet e ainda tínhamos de conectar a linha telefônica ao computador. Você mandava a foto e demorava um tempão para transmitir”, conta o fotógrafo de PLACAR. “Muitas vezes, acontecia de o hotel estranhar que a linha estava ocupada por muito tempo e cortá-la do nada, o que interrompia todo o processo. Foram dias de muita briga, mas para mandar as fotos”, diverte-se.

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Durante aquela Euro, Battibugli passou por diversas cidades alemãs e belgas e registrou ótimas histórias na reportagem abaixo. Encontrou apenas um brasileiro, o atacante Paulo Rink, naturalizado alemão, que não guardou boas recordações. Confira o texto na íntegra e algumas das imagens:

Diário de um hooligan

Por três semanas, o fotógrafo de PLACAR foi o único jornalista brasileiro na Eurocopa. Ele se disfarçou de torcedor inglês para contar a experiência

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Texto e Fotos Alexandre Battibugli

Era 20 de junho. Dia de Inglaterra x Romênia, o jogo que decidiria a sorte dos ingleses. Comprei uma camisa da Inglaterra e saí no caminho de Bruxelas a Charleroi. Com outros poucos torcedores no trem, tudo certo. Mas, chegando na estação, percebi que a vida ia ficar difícil. Chamei um táxi. O cara se recusou a me levar. Foi meu primeiro inconveniente.

Tive de andar 30 minutos até a parte alta da cidade. Uns quatro quilômetros só de subida. Com meu equipamento fotográfico (20 quilos) nas costas, a caminhada virou um martírio. Vida de hooligan não é fácil, não! Depois, já sem minhas tralhas e com a credencial da Euro 2000 escondida, juntei-me aos ingleses. Branquelo como eles, foi fácil me infiltrar. Fiquei deslocado por não estar com a torcida da Ponte Preta, mas o que me incomodava mesmo era que todos tinham um copo na mão. E eu não bebo! Para evitar suspeitas, comprei uma cerveja. Joguei metade num canteiro e, com meio copo vazio, até bati bola com uns bêbados pernetas.

Daí, entrei numa ótica. Os vendedores me olharam assustados, mas uma moça veio me atender. Depois da compra, abriu a porta: “Vai embora logo”, disse, sem uma única palavra. Em seguida, o restaurante. O garçom hesitou, mas, como eu estava sozinho, abriu a porta. O pedido chegou rápido como um Big Mac. Mais uma vez, senti alívio nas pessoas quando fui embora.

Na volta a Bruxelas, já sabendo que nenhum táxi me aceitaria, a solução foi andar de novo até a estação. Pelo caminho, policiais a cavalo vigiavam cada passo. Comerciantes fechavam seus bares. Na estação, com as portas fechadas, tive de dar a volta por um corredor cheio de policiais. O trem, velho e sujo, partiu lotado. A sensação era de estar sendo deportado. Chegando a Bruxelas, como uma boiada, fomos conduzidos por mais policiais. Também não pude pegar o metrô. Mas tive um bom momento nesta aventura. Comecei a assobiar uma música que cantam no estádio e que foi seguida por todos. Por um instante, me senti não um hooligan, mas um verdadeiro torcedor inglês.

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Brugges, 16 de junho

“Quando o Brasil joga?”

Um torcedor belga, um americano e outro francês. Três diferentes visões do futebol brasileiro. Meu primeiro encontro foi com o torcedor da Bélgica. Com algumas cervejas na cabeça, o cara veio logo puxando conversa, quando leu na minha credencial: PLACAR / BRAZIL. Disse que o futebol brasileiro é o melhor do mundo e perguntei sobre o Oliveira, brasileiro que jogou duas Copas do Mundo pela Bélgica. Ele me respondeu com outra pergunta: e o Wamberto? Falava como se o tal Wamberto, que joga no Ajax, fosse o melhor do mundo. Empolgado, me agradecia como se eu fosse responsável pela criação de seus dois ídolos brasileiros. Antes que conseguisse me livrar do bebum, ele foi mais rápido e me deu um beijo de despedida. Tudo bem, ninguém viu mesmo.

O americano me perguntou quando seria o jogo do Brasil. Do Brasil? É Eurocopa, ô burrão! Foi isso o que tive vontade de responder. Ainda por cima, o americano disse que o nosso futebol é muito chato, que o bom mesmo é o futebol deles, aquele em que os caras correm com uma bola oval debaixo do braço.

Aí veio o francês completar a rodada. Tive que agüentar sua cara de desdém, seu sorriso de satisfação ainda pela vitória sobre o Brasil na final da Copa de 98. Me perguntou se eu iria torcer pelos “Bleus” no jogo França x República Tcheca. Respondi sem vacilo um enorme “nããããão” pra ele. Hoje sou tcheco desde criancinha. Adiantou pouco. A França ganhou por 2 x 1.

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Torcida italiana na Euro 2000
Torcida italiana homenageia vítimas de tragédia de 1985: “Heysel nunca mais” (Alexandre Battibugli/Placar)

Bruxelas, 9 de junho

Coitadas das traves

Acho que vou dormir aqui hoje. Está cheirando melhor que o meu quarto do hotel. Estão limpando a pista de atletismo e os lugares reservados aos fotógrafos com uma mistura de desinfetante, água sanitária e mais alguma coisa que deixa tudo aqui com um cheirinho bom.

Tem um cara com um carrinho fazendo aquele desenho listrado no gramado. Tá ficando meio torto. E ele não se cansa de conferir o trabalho. A cada passada ele pára, olha, parece um artista. Será que ele não vê? Tá torto, ô bobão!

Estão trocando as traves também. Puseram uma novinha, está até com o plástico. Tomei uma bronca porque fui desencapar a danada para tirar uma foto. Uma sacanagem com as traves antigas. Viram tantos gols e agora, no melhor da festa, são substituídas. E ainda as deixam lá no chão, mortas, vendo as novinhas em folha em seus lugares.

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Acabei de perder mais 50 francos na máquina de Coca Cola. Ontem foram 100 francos num telefone público. Além de horríveis, os telefones são escassos. O que me preocupa é como vou justificar essas perdas na prestação de contas.

Charleroi, 17 de junho

A mesma camisa, 18 anos de diferença

Owen e Matthâus, na Euro 2000
Owen e Matthâus, na Euro 2000 (Alexandre Battibugli/Placar)

De repente, os dois números 10 apareceram na frente da minha câmera. Cliquei e só depois comecei a pensar. Estavam ali, bem diante de mim, duas gerações e duas histórias completamente diferentes. Uma, a de Matthäus. O cara jogou demais. Jogou tanto que a Alemanha não consegue se livrar dele, simplesmente porque não acha outro que jogue tanta bola. Deus, não tem um que trate a bola com carinho nesse time de brucutus alemães! A outra, de Owen. Talvez seja o primeiro inglês a conseguir dar um pouco de atenção à bola desde que os pernas-de-pau daquela ilha fria inventaram esse jogo. O técnico dele, Kevin Keegan, fica até desconcertado com a habilidade do garoto. Como não entende bem o que está acontecendo, às vezes tira o Owen do time. Matthäus se despediu em sua quinta Eurocopa. Owen disputou a primeira, mas as duas histórias deram no mesmo. Um craque sem time tem de voltar para casa mais cedo. Voltaram os dois.

Amsterdã, 11 de junho

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Vontade de comer grama

Parece loucura, mas hoje tive vontade de comer grama de novo. Isso já aconteceu antes, mas também não é pra menos. Aqui no Amsterdam Arena, o gramado recebe cuidados especiais, o que o deixa assim tão apetitoso. Essa música que anima a torcida antes do jogo, o clima de festa, com torcedores pintados e fantasiados, tudo contagia a gente de tal maneira que chego a pensar em mais uma bobagem: se por milagre ou mágica eu me tornasse jogador de futebol nesta hora, acho que suaria sangue para ganhar o jogo. Será que esses jogadores que vão entrar em campo agora pensam assim? Eles sentem esse clima que empolga até quem está trabalhando? Sou mesmo um privilegiado por estar aqui e sou o único fotógrafo brasileiro. Azar dos outros.

Amsterdã, 12 de junho

Perdi o trem

Onde está o meu trem que estava aqui? Foi o que perguntei na plataforma 15A da Central Station, na hora de sair de Amsterdã. Sorrindo, o sacana do controlador disse sem dó: “Já foi e é o último de hoje.” Eu fiquei a pé, sozinho e sem ter onde ficar. Tudo bem, o próximo trem para Bruxelas sai em sete horas. Passa rápido! Começava aí uma desesperada tentativa de consolo. Tentava me enganar, mas não conseguia me convencer. Saí para procurar um lugar para ficar, já sabendo que seria difícil. E foi. Nas imediações da estação, nenhuma vaga. Nadinha! Mas tudo bem, porque agora faltavam só seis horas e 40 minutos para o próximo trem. Decidi ficar lá mesmo e esperar. O lugar é agradável, limpo, pessoas simpáticas. Aí, tive a brilhante idéia de checar se a estação ficaria aberta a noite toda. “As portas se fecham a 1h e abrem às 5h da manhã”, disse o policial, de novo sem dó. Agora o bicho pegou. F… mesmo! Quatro horas lá fora, com 25 quilos de equipamento fotográfico, dinheiro, passaporte… Socooooorro! Saí correndo procurando um hotel, um quarto, um sofá. Uma cadeira já estava bom. Tive uma idéia: vou pegar um táxi e fazer um tour por Amsterdã. Um tour de seis horas! E pago como? Seis horas de táxi dá para ir até Bruxelas! Na última tentativa, consegui um quarto. Cheguei em Bruxelas às 11h. Ufa!

Charleroi, 17 de junho

Enfim, achei um brasileiro. Em campo

Depois de duas semanas, finalmente encontrei um brasileiro. Só consegui trocar duas palavras com ele. Eu disse: “Boa sorte.” Ele respondeu: “Obrigado.” Respondeu com surpresa. Era o Paulo Rink, brasileiro naturalizado alemão, atacante da Seleção da Alemanha. Estava indo para o banco de reservas no jogo contra a Inglaterra. Rink se mostra à vontade entre os companheiros de Seleção. Até cantou o hino da Alemanha! Os fanáticos torcedores o chamam de Paulo e são simpáticos com o brasileiro. Ele entrou no segundo tempo e perdeu um gol incrível. De frente, chutou pra fora. Torci para ele marcar até o final, apesar de querer vitória inglesa ” foi neles que apostei no bolão de PLACAR. Obrigado, Rink, pelo obrigado.

Paulo Rink erra chute na partida entre Alemanha e Inglaterra
Paulo Rink erra chute na partida entre Alemanha e Inglaterra (Alexandre Battibugli/Placar)
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