“Bom dia, professor. Veja o trecho abaixo da canção ‘O samba e o tango’, de Caetano Veloso:
‘Eu canto e danço sempre que possa
Um sambinha cheio de bossa
Sou do Rio de Janeiro.’‘Sempre que possa’ fere o meu ouvido. Não seria ‘sempre que posso’? Qual o correto? Ou tanto faz?” (João Paulo Rojas Vidal)
A interessante consulta trazida por João Paulo nos joga no mundo riquíssimo do subjuntivo. Não, a opção pelo verbo nesse modo não está errada. É verdade que, no português popular contemporâneo, que tende a restringir o uso do subjuntivo, é muito mais comum a construção “sempre que posso”. Mas não é só a rima com “bossa” que justifica o “possa”.
Como dizem Celso Cunha e Lindley Cintra em sua “Nova gramática do português contemporâneo”, lançamos mão do subjuntivo quando “encaramos (…) a existência ou não existência do fato como uma coisa incerta, duvidosa, eventual ou, mesmo, irreal”.
“Sempre que possa”, na construção citada, é uma oração subordinada adverbial temporal. Designa uma ação eventual, ou seja, que pode ocorrer ou não. O “posso” traduz a certeza dessa ocorrência; o “possa”, uma confiança menor nela.
Se a frase estivesse no tempo futuro, que por definição é mais cheio de incerteza, não haveria dúvida alguma – mesmo a ouvidos contemporâneos – sobre a pertinência do subjuntivo: “Eu cantarei e dançarei sempre que puder” (e jamais “sempre que poderei”). A mesma dúvida pode ser aplicada ao presente.
Alguns gramáticos mais conservadores chegam a considerar o subjuntivo obrigatório neste caso. Não me parece prudente chegar a tanto. A opção entre “sempre que posso” e “sempre que possa” pode ser classificada como uma escolha expressiva, conforme o falante queira indicar maior ou menor certeza do fato.
Algo semelhante se dá, por exemplo, entre “pensou que estava perdido” e “pensou que estivesse perdido”. As duas construções são corretas, mas guardam entre si uma sutil diferença semântica.
De resto, por mais que tentemos explicá-lo, o subjuntivo nunca se deixa domesticar por completo, como observa o gramático Evanildo Bechara quando, depois de listar páginas de regras sobre o tema, reconhece serem “várias as situações que podem, ferindo os princípios aqui expostos, levar o falante ou escritor a buscar novos meios expressivos. São questões que fogem ao âmbito da Gramática e constituem preocupação da Estilística”.
Como lembra muito oportunamente o leitor Clayton Moreira, “O samba e o tango” não é de autoria de Caetano Veloso, como afirmou João Paulo Vidal em sua consulta, e sim do paulista Amado Régis. A canção foi lançada por Carmen Miranda (em 1937, segundo o dicionário Cravo Albin) e regravada por Caetano, entre outros artistas.
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