Se vamos ser sinceros, que tal começar por ‘sincero’?
Um texto que circula há alguns anos na internet, atribuindo ao adjetivo “sincero” uma origem cheia de açúcar e sentimentos elevados, é um bom exemplo do poder da etimologia romântica, que em geral se aproveita do fato de a origem real de determinada palavra ser obscura ou sem graça para bolar em torno dela uma […]
Um texto que circula há alguns anos na internet, atribuindo ao adjetivo “sincero” uma origem cheia de açúcar e sentimentos elevados, é um bom exemplo do poder da etimologia romântica, que em geral se aproveita do fato de a origem real de determinada palavra ser obscura ou sem graça para bolar em torno dela uma historinha saborosa e falsa.
Diz o texto que a palavra sincero nasceu entre os romanos (o que é a única gota de verdade na receita), para designar um tipo de vaso feito de cera que, por ser trabalhado com capricho a partir de uma matéria-prima de primeira qualidade, ficava tão fino e transparente que permitia entrever um objeto guardado em seu interior – “um colar, uma pulseira ou um dado”, como esmiúça nosso autor anônimo, ciente da regra de que detalhes dão verossimilhança à ficção.
Esse vaso, prossegue a lenda, parecia até não ser feito de cera, mas de algo imaterial, e passou a ser chamado de sine cera, isto é, “sem cera”. Mais tarde, o sentido da expressão teria se expandido com base numa analogia: “O sincero, à semelhança do vaso, deixa ver através de suas palavras os verdadeiros sentimentos de seu coração”.
Não é nada disso. Segundo etimologistas sérios, a palavra sincero nasceu provavelmente da junção dos elementos latinos sim (um só) e cerus (que cresce, se desenvolve), significando aquilo que tem desenvolvimento único, sem bifurcações, e portanto é íntegro, reto, confiável. Convenhamos que não tem muita graça, mas o que se pode fazer?
Difícil é decidir se o propagador dessa lorota internética foi ingenuamente sincero ou se, pelo contrário, está rindo até agora.