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Por Sérgio Rodrigues
Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.
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Negar duas vezes é negar ou não?

“Não vejo ninguém. Não tenho nada.” Fico irritado com essas formas de falar, pois naturalmente quem não vê ninguém vê alguém, quem não tem nada tem algo. Pela simples razão de que menos com menos dá mais. Que tal lançar uma campanha para ensinar os brasileiros a respeitar a lógica? O leitor Adilson Cunha, de […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 14h55 - Publicado em 1 jul 2010, 09h14

“Não vejo ninguém. Não tenho nada.” Fico irritado com essas formas de falar, pois naturalmente quem não vê ninguém vê alguém, quem não tem nada tem algo. Pela simples razão de que menos com menos dá mais. Que tal lançar uma campanha para ensinar os brasileiros a respeitar a lógica?

O leitor Adilson Cunha, de Curitiba, pertence ao numeroso grupo dos que não se conformam com a negação dupla, um traço tradicional do português. Sua observação é curiosa, mas parte da suposição de que as línguas naturais possam ser regidas pela lógica matemática. Línguas têm lógica própria.

Estamos diante de um bom exemplo dessa autonomia: em vez de uma negativa anular a outra, dá-se um reforço. Não há nada de errado nisso. Algo parecido se passa no inglês, que costuma ser citado como modelo de “língua lógica” pelos críticos da dupla negação. Sim, é verdade que o idioma de Barack Obama, ao contrário do nosso, considera uma agressão à norma culta enfileirar nãos, mas isso tem mais a ver com a etiqueta do que com a lógica. Basta notar que ninguém se confunde com a mensagem quando o inglês popular se esbalda nas negações duplas. I can’t get no satisfaction, o mais famoso refrão dos Rolling Stones, é só um exemplo.

Em sua “Gramática histórica da língua portuguesa”, de 1921, Said Ali, provavelmente o primeiro brasileiro a lançar um olhar de rigor científico sobre o português, afirma que a negação dupla tem raízes fundas, a ponto de – acrescento eu – ser legítimo considerá-la parte do próprio espírito da língua. Segundo Ali, “os escritores antigos, e ainda alguma vez os quinhentistas, empregavam sem restrições a negação dupla, e até tríplice, com efeito reforçativo”.

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Na era moderna, passou a ser considerado mais elegante entre os homens de letras a negação sucinta, como nestes versos de Fernando Pessoa: “Nada sou, nada posso, nada sigo./ Trago, por ilusão, meu ser comigo.” Mas o gênio português também sabia a hora de recorrer sem culpa a uma boa, velha e esparramada negação dupla: “Não sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso querer ser nada.”

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Quinta-feira é dia da seção “Consultório” aqui no Sobre Palavras. Envie sua dúvida ou comentário para sobrepalavras@todoprosa.com.br.

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