Naquele tempo, diz o avô
– A palavra verão já quis dizer primavera, sabia? – Jura, vô? – Posso até jurar, e naquele tempo jurado era juramentado mesmo, só faltava ter valor jurídico. Hecatombe era o sacrifício de cem bois. Calamidade era a geada que arruinava a colheita. – Como é que você costuma dizer, vô? Aquilo do cachorro e […]
– A palavra verão já quis dizer primavera, sabia?
– Jura, vô?
– Posso até jurar, e naquele tempo jurado era juramentado mesmo, só faltava ter valor jurídico. Hecatombe era o sacrifício de cem bois. Calamidade era a geada que arruinava a colheita.
– Como é que você costuma dizer, vô? Aquilo do cachorro e da linguiça?
– Também não chovia tanto assim, os rios não transbordavam tanto assim, naquele tempo. Mas se chovesse, se transbordassem, ah, seria um cataclismo, porque cataclismo era isso, inundação, enchente.
– Um terremoto não era um cataclismo?
– No começo, não. Depois tudo cresceu, foi se misturando. Palavras, que naquele tempo eram parábolas, são feito árvores. Vão encorpando, se bobear viram mata fechada e ninguém se entende mais.
– Que é isso, vô. A gente se entende, não se entende?
– Claro. Às vezes esse tal de Skype falha um pouco, mas…
– Então. Eu estou te vendo e ouvindo muito bem. Você não está com frio, só de camiseta?
– Claro que não, querido, estamos no verão. Que já quis dizer primavera, sabia?