Em bom português, a palavra ‘hilário’ existe?
“Olá, Sérgio. Escrevi ‘hilário’ numa redação e o professor me tirou ponto. Fiquei apoplética (gostou?), mas quando procurei a palavra no dicionário não achei. Será verdade que ‘hilário’ não existe? Todo mundo que eu conheço fala errado?” (Karine Simões) É claro que a palavra hilário existe: se não existisse, não frequentaria o vocabulário de tanta […]
“Olá, Sérgio. Escrevi ‘hilário’ numa redação e o professor me tirou ponto. Fiquei apoplética (gostou?), mas quando procurei a palavra no dicionário não achei. Será verdade que ‘hilário’ não existe? Todo mundo que eu conheço fala errado?” (Karine Simões)
É claro que a palavra hilário existe: se não existisse, não frequentaria o vocabulário de tanta gente. Curiosamente, porém, seu estatuto padece de algumas incertezas.
A tradição culta sempre preferiu seus sinônimos hilariante ou o quase desusado hílare (todos com o sentido de “que provoca riso, alegria, hilaridade”). A adoção maciça de hilário pelos falantes brasileiros, sobretudo os jovens, é um fenômeno mais ou menos recente, datado talvez de três décadas para cá e possivelmente influenciado pelo inglês hilarious.
Isso leva muita gente a tratar hilário como uma gíria vira-lata de criação recente, substituto inculto do “correto” hilariante. Sua inadequação ao registro formal exigido pela redação é a explicação provável para a severidade do dito professor.
Ocorre que hilário não é uma gíria vira-lata de criação recente. Falando sobre sua família de palavras, derivada do grego hilarós (“alegre, risonho”) por meio do latim hilarus, o Houaiss cita o adjetivo hilário (com o sentido de “burlesco”) entre os vocábulos “introduzidos no vernáculo a partir do século XIX”. Como nome próprio (inclusive de santo), saído da mesma matriz greco-latina com o sentido original de “alegre”, sua adoção entre nós é ainda mais antiga.
O professor de Karine talvez ignore que, além do Houaiss, o Aurélio e o Michaelis também registram a palavra. Ou será que mesmo sabendo de tudo isso ele ficaria irredutível, disposto a passar a caneta vermelha também na crônica (do livro “Bom dia para nascer”, de 1993) em que Otto Lara Resende, fino cultor do idioma, escreveu a seguinte frase: “A resposta não podia ser mais hilária, como se diz hoje”?
O leitor atento pode ponderar que Otto, com seu “como se diz hoje”, está, ao mesmo tempo que emprega a palavra, guardando uma irônica distância dela. É verdade. Mas também é verdade que seu “hoje” se situa vinte anos no passado.
Resumindo: em redações e outros contextos formais, prefira “hilariante”, uma palavra à prova de controvérsia. Mas quando vierem lhe dizer que “hilário” não existe, pode cair na risada.
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