Disque-Palavra
Toda vez que discamos um número no teclado que há décadas é onipresente em nossos aparelhos de telefone (a menos que o seu tenha sido comprado num antiquário), estamos, mesmo sem perceber, pagando tributo à história da língua. Como a fruta na casca, para citar Machado de Assis falando de Capitu, há sempre uma palavra […]
Toda vez que discamos um número no teclado que há décadas é onipresente em nossos aparelhos de telefone (a menos que o seu tenha sido comprado num antiquário), estamos, mesmo sem perceber, pagando tributo à história da língua.
Como a fruta na casca, para citar Machado de Assis falando de Capitu, há sempre uma palavra dentro de outra palavra, ideias muitas vezes mortas dentro de palavras vivas. Os mesmos termos que usamos para contar histórias são, quando examinados por dentro, contadores de histórias.
Aquele disco desajeitado sumiu dos aparelhos de telefone e não consta que tenha deixado saudade. Mas deixou sua marca, herança de um estilo de vida que passou. Não há garantia de que seja uma marca duradoura. É possível que num futuro próximo a humanidade deixe de discar e passe a apenas, digamos, teclar. Mas também não será surpresa se o fantasma do disco se revelar resistente ao tempo e à vertigem das transformações tecnológicas.
Até hoje embarcamos em trens e aviões, que só poderiam ser chamados de barcos com muita licença poética. Acendemos lâmpadas frias como se ateássemos fogo a archotes ou lampiões. E faz anos que a novela das oito começa às nove.
É bobagem cobrar literalismo das palavras, embora os paladinos do “risco de morte” como substituto correto da consagrada expressão “risco de vida” não saibam disso. Elas evoluem assim mesmo, por associações, uma ideia puxando a outra. Por mais denotativa e precisa que se queira a linguagem, nunca nos livraremos de metáforas e metonímias.
A própria palavra “palavra” nasceu no latim parabola com o sentido de analogia, comparação, história alegórica, que o português conserva no vocábulo “parábola”. Seu miolo é feito de poesia.