A corrupção é defensável?
Todo brasileiro sonha com a seguinte empreiteira para realizar obras públicas. Ela nunca se envolveu com financiamento de campanha, pois isso poderia comprometer a lisura das licitações; tem experiência reconhecida em projetos semelhantes; não tem, em seu rol de gerentes e diretores, ninguém que já foi condenado por qualquer tipo de crime. A impressão que as operações […]
Todo brasileiro sonha com a seguinte empreiteira para realizar obras públicas. Ela nunca se envolveu com financiamento de campanha, pois isso poderia comprometer a lisura das licitações; tem experiência reconhecida em projetos semelhantes; não tem, em seu rol de gerentes e diretores, ninguém que já foi condenado por qualquer tipo de crime.
A impressão que as operações anticorrupção deixam é que, nessas condições, sobrariam poucas empreiteiras para concorrer a obras públicas. Haveria, então, um dilema oculto no debate público suscitado pela Operação Lava Jato, que investiga relações corruptas entre a Petrobras e empreiteiras: será que é preciso tolerar um pouco (ou um tanto) de corrupção para não paralisar o país? Ao contrário do que políticos podem dizer publicamente, acabar com a corrupção traz um risco de atrasar obras de que os brasileiros precisam com urgência.
Não se trata, é claro, de fazer apologia da corrupção. Tampouco de defender a impunidade e o uso de uma empresa semi-pública, como a Petrobras, para financiamento ilegal de campanha. Mas o combate à corrupção pode ter efeitos desagradáveis, como mostram os economistas Guilherme Lichand, Marcos Lopes e Marcelo Medeiros, no estudo “A corrupção faz bem para a saúde?”. Eles descobriram que as auditorias de gastos municipais com saúde realizadas pela Controladoria-Geral da União têm um efeito positivo para reduzir a corrupção – mas simplesmente porque os gestores locais passam a gastar menos!
Ao ficarem com medo de ser responsabilizados por atos corruptos (feitos por eles mesmos ou por pessoas que eles não conhecem), acabam diminuindo a provisão deste serviço público tão fundamental. Há menos corrupção, sem dúvida – mas também menos leitos em hospitais. Em Brasília, vários gestores públicos me disseram que “colocar o CPF em jogo” pode ser muito arriscado – e, por isso, eles têm medo em iniciar projetos que não podem controlar depois.
No mundo ideal, concorrentes impolutas substituiriam as empresas envolvidas em escândalos, sem perda de eficiência nas obras. Mas chegar a esse mundo (ou pelo menos mais perto dele), não é simples. Cientistas políticos consagrados, como Samuel Huntington e Joseph Nye, já defenderam que a corrupção funciona como graxa nas engrenagens da economia, e não areia. Será hora de voltar a lê-los?
(Entre em contato pelo meu site pessoal, Facebook e Twitter)