O Brasil, país naturalmente surreal, tornou-se, com a ajuda de Bolsonaro e do coronavírus, um asilo de loucos.
Recentemente, o Brasil rasgou-se em dois discutindo se deveria ser obrigatória a vacina que todo mundo queria (e continua querendo) e nem sequer existia (e continua não existindo).
Como o governo federal não cumpre sua obrigação de vacinar a todos, empresas privadas se mexeram para conseguir vacinas. Em vez de negociar com tais empresas para alcançar o bem comum, grupos políticos se mexeram para proibi-las de vacinar (mesmo que cumpram o plano nacional de imunização, mesmo que usem uma vacina que o governo não quer). O Brasil discute se deve deixar cada um se virar por conta própria ou se é melhor impedir todo mundo de se vacinar.
A situação no Amazonas é de caos absoluto, as pessoas morrem asfixiadas, mas o governo federal entra na Justiça para garantir a realização do Enem, expondo milhões de estudantes ao vírus. O Brasil discute se é melhor impedir estudantes de seguirem com suas vidas escolares ou expô-los (e suas famílias) ao risco de ficar doentes.
O governo precisa de 400 milhões de vacinas, e conta com apenas 146 milhões — 46 milhões do Butantã e mais 100 milhões da AstraZeneca (que ninguém sabe quando chegam) — mas não responde se quer os 54 milhões adicionais que o Butantã tem para oferecer. O Brasil está em dúvida sobre se quer ou não combater a pior pandemia dos últimos 100 anos.
O Butantã alerta que se o governo federal não der o firme nos 54 milhões de vacinas, vai passá-las adiante. Não, não vai oferecê-las para o Amazonas nem para nenhum outro estado: vai vendê-las para países estrangeiros. O Brasil discute se prefere combater a pandemia no Brasil ou na Argentina.
Diante das denúncias de desrespeito à fila de vacinação no Amazonas, a Justiça Federal determinou a paralisação total da vacinação. O Brasil discute se é melhor impedir criminosos de se vacinar ou deixar todos os outros sem vacina nenhuma.
Nós nos tornamos um país completamente alucinado.