Um bandido chamado Anders Behring Breivik. Ou: viva o Cristianismo e abaixo o multiculturalismo!
Hora de falar sobre Anders Behring Breivik, o tal norueguês que assumiu a autoria dos atentados terroristas em seu país. Quem ou o que é ele mesmo? Extremista de direita, antimarxista, antimulticulturalista, xenófobo, antiislâmico, cristão fundamentalista, reacionário? Alertado por um amigo, li trechos daquela maçaroca que traz os princípios da sua, digamos assim, “luta”. O […]
Hora de falar sobre Anders Behring Breivik, o tal norueguês que assumiu a autoria dos atentados terroristas em seu país. Quem ou o que é ele mesmo? Extremista de direita, antimarxista, antimulticulturalista, xenófobo, antiislâmico, cristão fundamentalista, reacionário? Alertado por um amigo, li trechos daquela maçaroca que traz os princípios da sua, digamos assim, “luta”. O Brasil é lembrado. Segundo diz o rapaz, a “mistura de raças” responde pelas dificuldades que o país enfrenta, inclusive a desigualdade social. As convicções de Anders podem até ter sido de direita um dia; hoje, ele é um sociopata, que defende o terrorismo como instrumento de conscientização das massas.
O arquivo está aí. Os leitores sabem muito bem o tratamento que defendo para os terroristas — identifiquem-se eles como “fundamentalistas cristãos” ou “fundamentalistas islâmicos”. Aliás, os leitores conhecem o que penso sobre qualquer pensamento que flerte com o terrorismo como instrumento de luta política. Recentemente, quem transformou essa tese num norte conceitual foi o filósofo marxista esloveno Slavoj Zizek, que é tratado como uma pessoa séria por boa parte da esquerda e da imprensa brasileiras.
Numa coletânea de textos de Robespierre, intitulada, muito apropriadamente, “Virtude e Terror”, Zizek faz a defesa aberta do terrorismo. O trabalho mereceu no Brasil uma resenha elogiosa do uspiano Vladimir Safatle. Interpretando e explicando o pensamento de Zizek, escreveu o professor:
“a partir da Revolução Francesa, sobe à cena do político uma subjetividade ‘inumana’ por recusar toda e qualquer figura normativa e pedagógica do homem, por recusar de maneira ‘terrorista’ os hábitos e costumes, por não se reconhecer mais em natureza e em determinação substancial alguma.”
Entenderam? Zizek, Safatle e Breivik — os dois primeiros como pensadores de extrema esquerda e o último como um ativista de extrema direita — nutrem simpatias por uma política que recusa certas balizas normativas. Tanto é assim que Safatle, estimulado pelo mestre, enxergou uma necessidade no mundo moderno: “Construir estruturas institucionais universalizantes capazes de dar conta de exigências de reconhecimento de sujeitos não-substanciais que tendem a se manifestar como pura potência disruptiva e negativa”.
Ora, dêem-me exemplos de “seres não-substanciais”, que se manifestam como “potência disruptiva e negativa”… Huuummm… A Al Qaeda? O Hamas (em relação a Israel ao menos)? As Farc? As milícias chavistas? Ocorre que um delinqüente como Anders Behring Breivik, brincando de Hitler norueguês, também entende que existe uma nova “subjetividade”, que se expressa de modo não-subordinado aos limites dado pelo humanismo, com intuito de romper a ordem e criar um novo movimento…
Qual é o lugar adequado para um vagabundo dessa espécie e seus eventuais seguidores ou líderes? A cadeia. Ele mata mais de 70 pessoas para combater o marxismo? Querem melhor propaganda do marxismo do que isso? Não há nada que um Hobsbawm consiga fazer em favor de uma teoria moribunda, no que concerne ao proselitismo, que dezenas de cadáveres não façam com mais eficiência. Ele mata mais de 70 pessoas contra a expansão do Islã na Europa? Querem melhor propaganda do islamismo extremista do que dezenas de corpos de jovens alvejados, sem qualquer chance de defesa, em nome do combate ao islamismo? Se alguém escolhe o caminho da morte e do massacre para combater uma religião, reforça o horizonte escatológico dessa crença. Ele mata mais de 70 pessoas contra o multiculturalismo? Querem melhor propaganda do multiculturalismo do que essa manifestação irracional de intolerância, como se o mundo se dividisse entre multiculturalistas, que aceitam a diversidade, e seus oponentes, que a repudiam? Até onde se sabe, a violência autóctone é uma das flores do mal do… multiculturalismo, hoje certamente mais defendido por Ahmadinejad do que por democratas de direita ou de esquerda da Europa.
Anders Behring Breivik é um criminoso, e não há um só conservador, respeitado entre conservadores, que se atreva a defendê-lo. Mas há, não obstante, esquerdistas respeitados por seus pares que defendem, por exemplo, os traficantes comuno-fascistas das Farc, cujos métodos não se distinguem dos daquele vagabundo.
Os bobões diriam: “Veja o Reinaldo tentando demonstrar que todas as correntes têm seus extremistas incômodos”. Uma ova! A clivagem, nesse caso, não obedece à conhecida nomenclatura “direita-esquerda”; Breivik não é um direitista incômodo. De jeito nenhum! A divisão que interessa nesse caso se dá entre os que admitem o terrorismo como expressão da luta política e os que não admitem, pouco importa o conteúdo de sua proposição. O intelectual marxista e petista Octavio Ianni, por exemplo, escreveu, pouco antes de morrer, um texto em que afirmava o caráter revolucionário da… Al Qaeda!
Eu sou cristão e não reconheço Breivik como um “fundamentalista” dessa crença porque não há princípio a ser evocado que justifique a morte; aliás, o cristianismo é a religião mais perseguida do mundo; hoje em dia, praticamente só cristãos morrem em razão de sua fé — morrem, não matam. Eu sou um antimulticulturalista convicto porque acredito nos valores universais da democracia ocidental, que reconhecem no indivíduo, e em suas escolhas, a matriz da liberdade; Breivik, um fascista, sonha com uma identidade coletiva. Ele não combate o multiculturalismo coisa nenhuma! Ele combate é a liberdade. Eu sou um crítico do extremismo islâmico e cobro, então, do Islã não-extremista uma clara mensagem de combate ao que seria o desvio da fé. Onde está a mensagem de repúdio ao ódio e de aceitação das outras crenças?
Qualquer um que recorra à morte de inocentes ou à imposição de um ponto de vista por intermédio da violência para impor a sua vontade e para anunciar o seu horizonte utópico é um ser desprezível, que tem de ser afastado do convívio social, pouco importa se professa convicções de direita ou de esquerda, cristãs ou muçulmanas, multiculturalistas ou não, ecológicas ou não (já que existe o terrorismo verde). Numa democracia, o flerte com a ilegalidade, ainda que em nome da justiça, só produz mais injustiças. Digam-me um só esquerdista que abraçaria essa minha divisa. Por que não? Afinal, o que há de errado com ela? Defende a democracia e a lei. É que democracia e leis não são valores de… esquerda!
E não! Não vou me intimidar com o lixo intelectual e moral dos cretinos segundo os quais um Breivik, com a sua violência, encarnaria a verdadeira face da direita; já as Farc e seus métodos seriam apenas a falsa face da esquerda. Assim, idealmente, a direita encarnaria o mal, como prova… Churchill, e a esquerda, o bem, como prova… Stálin.
Que aquele canalha e seus eventuais apoiadores apodreçam na cadeia!
E, já que estamos aqui, vamos lá: viva o cristianismo, abaixo o multiculturalismo, vivam as liberdades individuais!
PS – E já que cumpre dizer tudo, espero que Anders não fuja da cadeia e não peça refúgio no Brasil, certo? Ou o PT só aceita homicidas “de esquerda”?