Sobre fígado, cérebro e (re)reeleição
Em sua “Pensata”, na Folha On Line, Kennedy Alencar diz que Lula rejeita a possibilidade de tentar um terceiro mandato — pô, achei que isso fosse tão absurdo, que ele nem tivesse tratado do assunto… E, aí, o jornalista emenda: “Avaliar que um eventual sucesso do PAC pavimentará uma mudança constitucional para permitir nova reeleição […]
Como eu acredito que Lula pode, sim, tentar o terceiro mandato, ponho o meu fígado, irracional e apaixonado, para pelejar com o cérebro de Alencar, racional e sem paixões. Um confronto desigual, mas é da vida. Não sei exatamente a quais “avanços institucionais” ele se refere. No governo Lula, não houve nenhum. O Apedeuta herdou uma democracia consolidada e permitiu que seu partido tentasse esbulhá-la. A consolidação, que o antecedeu, tem criado entraves até aqui.
Sempre que Alencar diz que Lula disse alguma coisa, eu acredito. Em Alencar. Eu não acredito é em Lula. Para mim, o presidente dizer ou não o que quer que seja é absolutamente irrelevante. Não posso descolar o homem de sua obra nem de seus princípios morais. Lula já afirmou que, quando estava na oposição, fazia muita bravata. Não confio em bravateiros. Aldo Rebelo, diga-se, presidente da Câmara e candidato à reeleição, sabe o quanto vale a palavra de Lula. Até Delfim Netto, que concede uma notável entrevista à Veja (abaixo), sabe o quanto vale a palavra de Lula. Eu diria que José Dirceu, aquele que desistiu, por enquanto, de fazer seu livro de memórias, sabe o quanto vale a palavra de Lula.
Lula disse que não será candidato em 2010? Um motivo a mais para desconfiar.
Alencar chama a hipótese de terceiro mandato de “teoria conspiratória”. As pessoas, no geral, não sabem o que é isso. Uma boa teoria conspiratória se sustenta da falta de evidências, de indícios, de elementos comprobatórios, não do excesso deles. No caso de Lula, entendo, os dados estão todos aí. O terreno está sendo preparado. Se ele parte mesmo para essa aventura ou não, aí é outra coisa.
Teoria, esta sim conspiratória, é outra. E não sei se ela não andou visitando o texto de Alencar. Escreve ele: “Já a hipótese de Lula voltar ao jogo eleitoral dentro das regras legais não é absurda. O PT terá imensa dificuldade para construir um candidato a presidente competitivo em 2010. No caso de vitória da oposição daqui a quatro anos, um ex-presidente que viesse a ter seu governo bem-avaliado poderia tentar novamente o Palácio do Planalto em 2014.” Não seria difícil extrair daqui a ilação de que Lula poderia até fazer certo corpo mole em 2010 para voltar nos braços do povo em 2014. Ou seja: a ele interessaria a derrota do partido na próxima eleição.
O presidente brasileiro acaba de dizer em Davos que Hugo Chávez sempre se elegeu na Venezuela de acordo com as regras democráticas. E ainda fez ironia, afirmando que há quem não goste disso. Chávez é um ditador. Usou os instrumentos da democracia para solapá-la. Conta com o apoio irrestrito do presidente brasileiro. Do ponto de vista dos princípios, vê-se, nada distancia Lula de uma tentativa de terceiro mandato. Alguma lei proíbe um parlamentar de apresentar uma emenda? Se apresentada, não estou tão certo, à diferença de Alencar, de que ela seria rejeitada pelo Congresso. Não se trata de cláusula pétrea, infensa a emendas.
É claro que esse seria um caminho difícil, tortuoso e, se querem saber, menos provável até. O que é evidente é que se está trabalhando também com essa possibilidade. Tão evidente quanto Ciro Gomes está sendo posto na fila para ser o bicho-papão do processo político. Eu costumo prestar menos atenção ao que Lula diz do que àquilo que ele faz. Quando se trata de PT — basta recuperar a trajetória do partido —, o absurdo jamais fica do lado de fora. Só a esperança.