Punir doação ilegal ou incentivar o caixa dois?
Leiam o que vai abaixo com muita atenção. Reflitam. Tentem formar um juízo a respeito antes de ler o comentário. Dou uma dica: vocês identificam alguma falha lógica nessa história? Volto depois: Por Roberto Almeida, no Estadão: Em meio a discussões sobre o financiamento público de campanha no Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em […]
Leiam o que vai abaixo com muita atenção. Reflitam. Tentem formar um juízo a respeito antes de ler o comentário. Dou uma dica: vocês identificam alguma falha lógica nessa história? Volto depois:
Por Roberto Almeida, no Estadão:
Em meio a discussões sobre o financiamento público de campanha no Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em conjunto com a Receita Federal, iniciou no mês passado uma cruzada contra doações acima do limite legal. Enviou relatório às Procuradorias Regionais Eleitorais de todo o País, que confirmaram irregularidades e já ajuizaram 3.984 representações contra empresas e pessoas físicas que contribuíram com candidatos e partidos nas eleições de 2006.
O argumento central dos processos tem como base os artigos 23 e 81 da Lei Eleitoral, segundo os quais empresas não podem doar para candidatos valor acima de 2% de seu faturamento no ano anterior. No caso de pessoas físicas, o valor não pode ultrapassar 10% dos rendimentos declarados no Imposto de Renda. O resultado das representações pode render milhões em multas, que serão encaminhadas aos fundos partidários e à própria Justiça Eleitoral.
Os critérios para aplicação das multas – que vão de cinco a dez vezes o valor da doação que excedeu o limite legal – variam de um Estado para outro. Em Mato Grosso do Sul, o procurador regional eleitoral Pedro Paulo Grubits acredita ter encontrado a fórmula ideal. “Quanto mais díspar for o valor da doação do valor apresentado à Receita, maior chance de caixa 2″, afirmou.
A multa mais polpuda do País está nas mãos da procuradoria paulista. Uma empresa teria doado pelo menos R$ 5 milhões acima do limite permitido por seu faturamento declarado. Se o Ministério Público solicitar punição máxima, a multa pode chegar a R$ 50 milhões.
As empresas têm ainda uma segunda sanção. Após julgamento, podem ser proibidas de participar de licitações ou celebrar contratos com o poder público por um período de 5 anos.Advogados
Advogados eleitorais reagiram com indignação às representações ajuizadas pelas procuradorias em todo o País. Para eles, há equívoco na abertura de dados fiscais de todos os doadores de campanha de 2006.
“Jogar a rede e o que cair é peixe é um método absurdo”, avaliou o especialista em legislação eleitoral Ricardo Penteado. “É uma iniciativa que acaba criando uma cultura de que doar é sempre um problema.”
Penteado acredita que o resultado final do volume de representações é a “demonização” de doadores. “Isso me parece um grande absurdo. Em tempos em que o mundo está elogiando o envolvimento social nessas questões, acabam convidando a todos para se esconder nas sombras”, argumentou o advogado.
Segundo ele, que se disse contra o financiamento público de campanha, o ideal seria estabelecer um teto de doação igual para todos. “Nesse caso (de quebra de sigilo) o que acontece? O sujeito é exposto, de forma totalmente indiscriminada.”
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Comento
Toda essa coisa que está sendo chamada de “rigor” vai, na forma dada, acabar contribuindo para… o caixa dois! Se fazer uma doação de campanha corresponde a expor-se à quebra de sigilo fiscal e à abertura de uma investigação na empresa, com multa de até 10 vezes o valor doado, então correr o risco pra quê? Ademais, é preciso ver se procuradores eleitorais são realmente os mais habilitados para apurar dados que são de natureza fiscal.
“Ah, não quer que investigue”. Será? Aplicar multa de R$ 50 milhões numa empresa que doou R$ 5 milhões tem o objetivo de coibir doação acima do limite ou de quebrar a empresa? A resposta está dada na própria pergunta.
Não há nada que empurre mais uma sociedade para a ilegalidade do que o rigor destrambelhado. Os procuradores decidiram ser os Torquemadas do processo eleitoral. Na ânsia de disciplinar tudo o que está à sua volta, acabarão empurrando os doadores para a ilegalidade mesmo, para o caixa dois.
Ora, a evidência do que digo é dada pelos fatos: quem doou por fora e não deixou registro nenhum, a esta altura, está tranqüilo. É preciso ver se esse número absurdo de ações indica que o processo todo está mesmo eivado de ilegalidades ou se há um problema de, digamos, falta de ponderação de quem avalia.