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Reinaldo Azevedo

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Os coveiros da universidade

Excelente um artigo publicado no Estadão deste sábado por Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, sobre o, digamos assim, “movimento estudantil”. Segue abaixo. *A universidade sempre foi um espaço de luta, debate e reflexão. Um lugar para se pensar o mundo, pesquisar, aprender e estudar, seja no sentido básico de acumular conhecimentos, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h22 - Publicado em 23 jun 2007, 19h27
Excelente um artigo publicado no Estadão deste sábado por Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, sobre o, digamos assim, “movimento estudantil”. Segue abaixo.
*
A universidade sempre foi um espaço de luta, debate e reflexão. Um lugar para se pensar o mundo, pesquisar, aprender e estudar, seja no sentido básico de acumular conhecimentos, produzir ciência e adquirir melhores estruturas reflexivas, seja no sentido de agir sobre a vida e revolucioná-la.

A articulação entre seus objetivos fundamentais – lutar por justiça e igualdade, fazer pesquisa, estudar – constitui a razão de ser da universidade, aquilo que a distingue como instituição. Quebrada a conexão, desfaz-se a magia.

O ideal de uma comunidade de professores e estudantes sempre figurou entre as grandes utopias universitárias. Uma universidade de qualidade, que desempenhe uma efetiva função pública, não é só uma instituição com bons docentes e boa estrutura física. Também existe como estado de espírito, cultura, disposição intelectual, procedimentos.

Mas o que é fácil de ser encontrado nas cartas de intenções e nos discursos de praxe nem sempre se traduz adequadamente em termos práticos. Não é porque se defende um ideal comunitário que uma comunidade passa a existir. Ela nunca está pronta; precisa ser construída e reconstruída dia após dia, num processo que não se encerra jamais. Além disto, nem toda comunidade é virtuosa. Há comunidades que se sustentam em mecanismos repressivos, verticalizados e unidimensionais, nas quais o consenso é imposto, em vez de nascer do entrechoque das opiniões e da livre movimentação das pessoas.

Ainda que estejam do mesmo lado e se devam afinar quanto às finalidades da universidade, docentes e estudantes nem sempre caminham juntos. Podem divergir em muitos pontos, até porque estão separados por abismos geracionais e também porque se relacionam de modo distinto com a instituição. Aquilo que é, para a maioria dos professores, causa profunda e permanente, para a imensa maioria dos estudantes é um meio de se projetar para outros ambientes e continuar a vida. Há muito combustível para que professores e alunos entrem em atrito.

O sucesso de uma “boa” comunidade repousa na capacidade de fazer com que os atritos sirvam para fortalecê-la, em vez de miná-la, coisa que só pode acontecer se os integrantes dispuserem de uma vida coletiva livre, aberta, dialógica. Sem isto as questões não são processadas democraticamente e as soluções deixam de refletir o interesse das maiorias.

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A universidade democrática e de massas do século 21, especialmente nos países periféricos, tornou-se também um espaço de assistência e proteção, recursos com que se busca viabilizar o estudo dos menos privilegiados e dos que enfrentam maiores dificuldades para se manter ao longo dos cursos. Trata-se de uma generosa e necessária ampliação dos princípios universitários, sem o que a universidade se elitizaria de modo inadmissível. A assistência, porém, converteu-se rapidamente num fim em si mesmo. Passou a ser reivindicada por todos e convertida em “direito” de todos, não somente dos que dela efetivamente necessitam. Deste modo, tornou-se muitas vezes mais relevante que os próprios fins específicos da universidade. Chegou-se assim à versão atual, que enfatiza a concessão em cascata de benefícios e subsídios, aumentando o privilégio dos privilegiados.

O problema é que a universidade, hoje, não dispõe de consensos a respeito de como encaixar a “permanência estudantil” em seu dia-a-dia. Sabe que precisa lutar por isto, mas não sabe de que modo e com que idéias fazê-lo. A articulação entre pensamento e ação está falhando.

Não se luta mais por idéias, mas por “direitos”. O foco não é mais qualidade de ensino, bons professores e bons cursos, mas boas notas, diplomas, carreiras e prestígio. Na maioria das vezes se luta por coisas direcionadas para melhorar a posição relativa de certas pessoas, não o funcionamento institucional, muito menos a vida de todos, o ensino e a pesquisa.

Mas, ora, dirão, por que não lutar pelas duas coisas, idéias e direitos? Nada contra, seria mesmo o certo. Mas desde que não se jogue fora uma delas para dedicar energia total à outra. Na agenda acadêmica de hoje cabe tudo, sem qualquer hierarquia ou critério. A pauta está invertida, os fins sendo engolidos pelos meios.

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A agitação estudantil atual, movida a “radicalismo” midiático sem alma, bem como os professores que a ela se nivelam ou nela pegam carona, agarra-se ao assistencialismo para disfarçar sua dramática falta de densidade e de representatividade. Segue um caminho quase suicida, no correr do qual vai destruindo precisamente aquilo – a universidade como espaço de idéias, a razão crítica – que poderia ser sua força e sua plataforma de lançamento para o futuro. Em vez de salvadora da universidade, atua como seu coveiro. Seu único oxigênio é a “desobediência”, não a “alternativa”. Não é, na verdade, um movimento, mas um espasmo caricato, sustentado por uma sensação de força e pela inércia das instituições. Na sua base, uma massa estudantil que verbaliza, sem falar, um mal-estar gritante. A “maioria silenciosa” de hoje não é passiva: é um grito de alerta, que denuncia a irrelevância das cúpulas estudantis e das rotinas institucionais – por que brigar para ter aulas se dá para estudar de outro modo? – e desnuda o desconforto de toda uma geração, perplexa diante de um mundo de excessos e carências abissais. Ela, no fundo, está sendo levada ao silêncio pelo autoritarismo agressivo daqueles que dizem falar em seu nome.

Esta agitação não tem legitimidade e não interage com os estudantes, e nisso, tragicamente, repousam as melhores esperanças de uma “normalização”. Mas a crise por que passam as universidades públicas brasileiras – e, dentro delas, especialmente as escolas de humanidades – não é uma ventania de primavera. Justamente por isso, precisa ser enfrentada de peito aberto, de modo que seus principais agentes possam ser desmascarados, combatidos e neutralizados.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor, entre outros, dos livros Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004) E-mail: m.a.nogueira@globo.com

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