O milagre de Janot – Em entrevista absurda, Dilma trata petrolão como coisa estranha a seu governo
Querem saber? Eu lamento meu gosto por política. Estou aqui a pensar se não é um vício, como o Hollywood que eu fumo — contra o bom senso, contra os meus médicos, contra a minha família… Há coisas que são verdadeiramente insuportáveis, que podem fazer mal à saúde mental. E, se querem saber, com alguma […]
Querem saber? Eu lamento meu gosto por política. Estou aqui a pensar se não é um vício, como o Hollywood que eu fumo — contra o bom senso, contra os meus médicos, contra a minha família… Há coisas que são verdadeiramente insuportáveis, que podem fazer mal à saúde mental. E, se querem saber, com alguma frequência, a imprensa contribui para esse fastio.
Dilma concedeu neste domingo uma entrevista em Estocolmo, na Suécia. Num dado momento, travou-se esta conversa surrealista com jornalistas brasileiros.
Jornalista – Presidente, o caso Eduardo Cunha repercutiu no mundo inteiro, foi notícia nos jornais do mundo inteiro. Isso não causa um certo constrangimento no governo brasileiro, embora seja o Poder Legislativo?
Dilma – (pequeno riso irônico) Seria estranho se causasse. Ele não integra o meu governo. Eu lamento que seja um brasileiro, se é isso que cê tá perguntando. Eu lamento que seja com um brasileiro.
Outro jornalista – Presidente, a senhora acha que é ruim para a imagem do país?
Dilma – Olha, eu não diria… Eu acho que se distingue perfeitamente no mundo o país de qualquer um dos seus integrantes. Nenhum país pode ser julgado por isso ou por aquilo: nem o Brasil, nem a Suécia nem os EUA. E não se julga assim. Acho que isso é pergunta bastante facciosa, cê me desculpe. Eu lamento que aconteça com um brasileiro, com um cidadão brasileiro.
Vamos botar ordem nesta bagunça moral, corrigindo perguntas e respostas.
Em primeiro lugar, mais do que as acusações contra Cunha, o que é notícia no mundo inteiro é a roubalheira existente no Brasil. O petrolão, mais do que o caso do presidente da Câmara, varreu a imprensa internacional e expôs a lama dos governos petistas. Pergunta óbvia: caberia a Dilma fazer digressões sobre o seu adversário político, ou sua obrigação moral seria falar sobre o seu próprio governo, nesse particular?
A propósito, me digam: o que é mais prejudicial para a imagem do Brasil? Haver um presidente da Câmara com contas na Suíça ou o país ser assaltado por uma quadrilha, com óbvias conexões com o poder político de turno? Cada um pergunte o que quiser, mas convidar Dilma a fazer considerações sobre Cunha ou é infantilismo ou é uma forma de engajamento.
E agora vamos refletir um pouco sobre as respostas. Aquela que era a presidente do Conselho da Petrobras à época da compra da refinaria de Pasadena; aquela que comanda o setor energético brasileiro desde 2003; aquela que nomeou Nestor Cerveró para a direção financeira da BR Distribuidora depois de ele ter deixado a estatal; aquela que passou boa parte da campanha eleitoral de 2014 sem reconhecer os descalabros na empresa, é esta senhora que vem a público dizer que Cunha não pertence a seu governo?
Esperem! Cunha não pertence a seu governo, mas Edinho Silva pertence e é seu homem forte. Ele é acusado por Ricardo Pessoa, em delação premiada, de uma doce extorsão de R$ 10 milhões — R$ 7,5 milhões dos quais foram pagos. E teriam ido para a campanha de Dilma.
Aloizio Mercadante pertence. Ele é acusado pelo mesmo Pessoa de ter recebido R$ 250 mil em dinheiro vivo, pelo caixa dois, para a campanha eleitoral de 2010. Edison Lobão pertenceu. É um dos investigados da operação. Delcídio Amaral (PT-MS) é seu líder no Senado e é acusado por Fernando Baiano de ter levado entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão de propina na compra da refinaria de Pasadena e de ter participado de outro conluio no aluguel de navios-sonda. O mesmo Baiano diz ter reservado R$ 2 milhões para uma nora de Lula em outra operação. E Lula é hoje o coordenador político de Dilma.
Avilta a inteligência que esta senhora trate o petrolão como se fosse uma coisa estranha a seu governo. Eis aí, meus caros! Eis o grande milagre de Rodrigo Janot: contribuiu para que Dilma fingisse que o escândalo lhe é estranho — como se ela não tivesse sido, quando menos, omissa a respeito — e deu a setores da imprensa a desculpa moral para igual fingimento.
Incrível! Até parecia que as contas de campanha daquela que dava entrevista não estão hoje sendo investigadas pela Polícia Federal e por um processo no TSE. Ambas as ações podem resultar na cassação do seu mandato porque com poder para lhe anular a diplomação em razão do eventual uso de dinheiro sujo da Petrobras na campanha.
Mas lá estava Dilma, concedendo uma entrevista, falando como se fosse magistrada. E a própria imprensa lhe concedeu essa licença.
Com a devida vênia, a boa pergunta seria outra: “A senhora acha que o petrolão, que vigorou nos governos do PT, inclusive no seu, é ruim para a imagem do país?”.
O que lhes parece?
Texto publicado originalmente às 3h08
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