O espetáculo de cinismo de Eduardo Cunha
Presidente afastado da Câmara inventa uma terceira categoria: além da verdade e da mentira, existe a não mentira, que, no entanto, não é verdade
O depoimento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Conselho de Ética é um espetáculo de cinismo como raramente se viu. Tenham paciência. Ele se apega a uma firula para tentar transformar uma mentira não em uma verdade, mas em uma “não mentira”. Assim, passaríamos a ter três categorias: a verdade, a mentira e a não mentira.
Qual é o busílis? Cunha afirmara na CPI da Petrobras que não tinha conta na Suíça. Ao fazê-lo, nem ele nem os que o ouviam estavam preocupados com a questão conceitual: “Mas o que é uma conta?”. Não! Todos entenderam o óbvio: ele estava negando que tivesse dinheiro na Suíça. E, no entanto, ele tem.
“Ah, diz ele, não menti porque a grana estava num trust”, uma espécie de fundo coletivo, do qual ele era um dos beneficiários. E, então, emenda: “Como era um trust, não era uma conta; então não menti”.
Convenham: é preciso ter estômago para isso.
Cunha é hábil em evocar lateralidades. Demonstra estranhamento com o fato de os inquéritos contra Renan andarem com espantosa lentidão quando comparados com o próprio caso. Também estranho. Diz que a investigação contra ele andou com particular celeridade na Procuradoria-Geral da República. Também não contesto. Sugere que o Supremo tomou uma medida excepcional ao afastá-lo. Também não dá para negar.
Mas e daí? Isso altera o essencial? É evidente que não. O Conselho de Ética não fará juízo de valor sobre tudo o que já sabemos sobre Cunha, é certo. Nem precisa. Cada deputado vai se comportar como um juiz e votar de acordo com a sua consciência e com aquilo que sabe.
Elementos acessórios, no entanto, nem se fazem necessários. Cunha cometeu uma falha grave quando foi à CPI, de modo espontâneo, diga-se, para prestar um esclarecimento. E acabou contando aquilo que não é verdade, mas que ele insiste não ser também mentira.
O deputado pergunta, ainda que indiretamente, se faz sentido que ele seja considerado um dos chefões do petrolão, já que o controle de toda a operação, na prática, estava com o PT. Olhem aqui: eu mesmo já escrevi isso nesse blog algumas dezenas de vezes. É claro que não era o chefe ou um dos chefes.
Mas a evidência de que meteu o pé na jaca são gigantescas, pouco importando, nesse caso, seu lugar na hierarquia.
Existe a chance, com a influência que tem, de Cunha vir a ser absolvido em plenário? Até existe. Uma coisa, no entanto, vocês deem como certa: ele não passará incólume pelo Supremo.