Promoção do Ano: VEJA por apenas 4,00/mês
Imagem Blog

Reinaldo Azevedo

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
Continua após publicidade

O DOCE PENSAMENTO AUTORITÁRIO DE MARINA. OU: A TRANSVERSALIDADE PÓS-CARBÔNICA

Num debate, na semana passada, promovido pela Associação dos Municípios Mineiros, o tucano José Serra afirmou, diante da petista Dilma Rousseff e da verde Marina Silva, que gostaria de contar com o apoio do PT e do PV caso fosse eleito. Ele falava, naquele momento, sobre a reforma tributária e as dificuldades para realizá-la. Entendia-se […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 15h20 - Publicado em 11 Maio 2010, 17h25

Num debate, na semana passada, promovido pela Associação dos Municípios Mineiros, o tucano José Serra afirmou, diante da petista Dilma Rousseff e da verde Marina Silva, que gostaria de contar com o apoio do PT e do PV caso fosse eleito. Ele falava, naquele momento, sobre a reforma tributária e as dificuldades para realizá-la. Entendia-se que, sem um amplo consenso sobre esse tema, a coisa não avança. E não avança mesmo. Num momento em que o Planalto força a mão na polarização, numa luta do Bem contra o Mal, a fala vale como um apelo à civilidade. Mas é evidente que a união PT-PSDB é impossível. Eu confesso que até gostaria que isso acontecesse (falo a respeito mais tarde). De todo modo, o rasgo retórico de Serra reavivou certas ilusões bobocas que, volta e meia, tomam o debate político.

Nesta terça, foi a vez de Marina Silva tratar do assunto em viagem ao Rio Grande do Norte. Leiam o que ela disse:
“É fundamental o realinhamento histórico entre PT e PSDB. Se eu ganhar, vou querer governar com os melhores. Se o PT e PSDB continuarem sem conversar, o Brasil vai sempre ficar de mal a pior. O PSDB tentou governar sozinho, e ficou refém do que havia de pior dos Democratas. O PT tentou governar sozinho, e ficou refém do que havia de pior do PMDB. Se tivesse uma conversa entre os dois para assegurar os interesses estratégicos do Brasil, iríamos conseguir angariar base de sustentação, com os melhores do DEM e do PMDB.”

Eu, como todo mundo, acho Marina muito simpática. Mas pertenço à minoria que também presta atenção ao que ela fala. Que diabo de “realinhamento histórico” é esse a que ela se refere? A sugestão ecoa uma tese furada, que não tem correspondência nos fatos, segundo a qual PT e PSDB teriam ancestrais comuns — seria mais ou menos como homem e macaco? Não têm! O PT nasce na costela das luta revolucionária misturada à escatologia da libertação e ao sindicalismo; o PSDB derivou da luta institucional do antigo MDB, modificada pelos ventos da social-democracia.

Não há “realinhamento histórico” nenhum porque não pode se realinhar o que nunca esteve alinhado. A chamada “luta contra a ditadura” de personalidades presentes num e noutro partido não lhes confere identidade comum.

O PT se constituiu para construir o socialismo pela via pacífica (sorria, meu bem, sorria!!!). O PSDB, para reformar o capitalismo brasileiro. Ao longo do tempo, o PT foi, se me permitem o neologismo, “social-democratizando” a sua pauta; foi se tornando cada vez menos “socialista” e mais “social-democrata”. Mas conservou uma característica essencial da sua formação originalmente de esquerda, coalhada de leninistas mitigados: concebe-se e organiza-se como partido único; ainda hoje se imagina assaltando o Palácio de Inverno.

Continua após a publicidade

O petismo não quer ser hegemônico apenas na política — o que qualquer partido ambiciona. A construção dessa hegemonia se dá também na sociedade. O partido se organiza para substituí-la, não para governá-la. Assim, o sindicato não é o sindicato, mas é “o partido no sindicato”; o fundo de pensão não é o fundo de pensão, mas “o partido no fundo de pensão”; o movimento social não é o movimento social, mas “o partido no movimento social”. É por isso que as “bebéis” da vida estão ora no palanque ilegal de Dilma, ora comandando um protesto para “quebrar a espinha” de um tucano… E isso não vai mudar. Será sempre assim. É uma questão de natureza.

PT e PSDB não estão separados em razão de incompreensões mútuas e vaidades pessoais. Eles estão separados porque são coisas distintas, por mais que alguns tucanos invejem a reputação de “esquerdistas” dos petistas e que os petistas tentem demonstrar, como os tucanos, a sua vocação para conciliar o “mercado” com o “social”… O que estou dizendo é que, para além das questões de gosto ou competência pessoal, existe uma divergência que é de natureza política. E que é insuperável.

A utopia marinista do “governo dos melhores” é também retórica de quem saltou para o primeiro plano da política, aí sim, em razão da vaidade pessoal — ou será que ela não a tem? Além de Marina por Marina, o que mais oferece o PV? O seu projeto de “desenvolvimento sustentável” está ancorado, até agora, em algumas abstrações e num certo “fácil falar difícil”. Ela, com efeito, se vencesse, teria de apelar à República dos Homens Virtuosos para governar, já que inexiste um partido propriamente. Sua luta em defesa do meio ambiente faz dela, de fato, uma dessas figuras que parecem talhadas para compor um governo mundial, uma versão pós-moderna e pós-carbônica da paz perpétua kantiana. Ok. Mas quem recolhe o lixo, cuida do saneamento, das obras de infra-estrutura?

Reféns?
Quem, como Marina, se desliga do grupo de origem e tenta ser uma terceira força só pode fazê-lo se decretar a igualdade dos adversários, como ela faz. PT e PSDB seriam iguais nas qualidades (com seus homens virtuosos em partidos nem tanto) e nos defeitos: cada um deles teria ficado refém da banda podre do aliado. Tudo o mais constante, diz Marina, o Brasil vai continuar “de mal a pior”. Mas esperem aí!

Continua após a publicidade

O Brasil não vai “de mal a pior”. Isso é falso. Eu estou entre aqueles que reconhecem avanços formidáveis nos últimos 16 anos — como, de resto, Marina já disse mais de uma vez. Reconheço qualidades, sim, no governo Lula. Quem lê o que escrevo — e não o que supõe que escrevo — sabe disso. Se sou crítico azedo, e sou, do governo Lula, é por conta de sua essência autoritária, que não reconhece o direito à existência do “outro político”, tentando eliminá-lo da história. Isso é parte de um projeto totalitário, que não altera a eficiência de determinadas políticas que tiveram continuidade nesses anos.

O que estou dizendo, em suma, é que esse pleito da figura demiúrgica, que vem restaurar a ordem moral do jogo político, com base nos bons princípios, nada tem a ver com democracia. Tudo bem pensado, guarda até mais intimidade com as ditaduras e os totalitarismos. Por mais que isto possa parecer a muitos  asqueroso, os peemedebistas, Brasil afora, exercem a sua função na cadeia alimentar e no equilíbrio ecológico da democracia, como aquelas bactérias que fazem o trabalho final nas carcaças — e essa metáfora, acreditem, tenta ser até virtuosa.

Voltem lá à fala de Marina: somados os melhores do PT e do PSDB, sob uma liderança de alguém como, suponho, Marina, sobraria lugar, na sua formulação, até para os bons do PMDB e do DEM. Seria, então, o governo do “homens bons”, certo? Vamos à lógica: quem haveria de se opor ao “governo dos bons”? Os maus! E o que se faz com pessoas más que se opõe a pessoas boas? Posso imaginar. É assim, senadora Marina Silva, que todas as ditaduras que se querem virtuosas se enxergam.

Vamos devagar! A minha pinima principal com o PT está no fato de que o partido julga já ter alcançado aquilo que Marina esboça como um projeto. Eu não quero uma ditadura nem de safados nem de virtuosos. A fala de Marina pode ser muito simpática na superfície, mas pertence, por mais que isso possa ser surpreendente, a uma linhagem de pensamento estranha à democracia.

Continua após a publicidade

E não sou o único a saber disso, é evidente. Posso ser o único a apontá-lo porque aprendi a viver sem o apoio da torcida daqueles que só querem, como é mesmo?, o bem da humanidade. Sou mais modesto. Contento-me com o bem da coerência, ainda que nestes tempos de “transversalidade pós-carbônica”.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

2 meses por 8,00
(equivalente a 4,00/mês)

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.