O discurso ecólógico na fase do surto
Confesso que li e reli outras duas vezes a coluna de hoje de Janio de Freitas na Folha. Pensei cá comigo: tornei-me um leitor obtuso. Há aí certamente alguma ironia que está me escapando. Mas não. Como diria o Apedeuta, “estou convencido de que” não há ironia nenhuma, e o autor realmente considera plausível o […]
Confesso que li e reli outras duas vezes a coluna de hoje de Janio de Freitas na Folha. Pensei cá comigo: tornei-me um leitor obtuso. Há aí certamente alguma ironia que está me escapando. Mas não. Como diria o Apedeuta, “estou convencido de que” não há ironia nenhuma, e o autor realmente considera plausível o que escreve. Reproduzo trecho. Comento depois:
Uma inovação explosiva está, a partir de agora, à espera de que Lula se decida a dar-lhe o jamegão presidencial definitivo ou, em um rompante de consciência acima da política, só o faça depois de vetar as partes mais monstruosas dessa mistura de medida provisória e alterações de congressistas. A sanção integral será como o primeiro grande passo legal para futuro confronto de iniciativa internacional, e talvez bélica, contra o Brasil.
A Amazônia é o ponto fraco do Brasil no trançado das geopolíticas dos países ocidentais, cada vez mais influenciadas pela noção, de sociedades e governos, de que é necessário à humanidade preservar no planeta o que o homem ainda não arruinou. O desmatamento da Amazônia, as emissões de suas queimadas e as consequências planetárias desse processo têm hoje presença inevitável nos meios de comunicação, debates e edições científicas sobre alterações climáticas, escassez da água e relação entre ambiente e doenças.
É essa Amazônia que a MP da Presidência aprovada com agravantes pela Câmara e, na quarta-feira, pelo Senado, pretende entregar à corrosão ainda maior que a já vista.
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Comento
Se o vinhozinho que tomei há pouco para aquecer a madrugada não obscureceu o meu juízo, Janio está dizendo que ou a gente cuida direito da Amazônia e faz o que mundo espera ou “eles” virão tomar a região a bala. É isso mesmo, né? E, se bem entendi, o articulista acha isso muito justo. Afinal, estaríamos dando evidências de que não sabemos tomar conta desse patrimônio da humanidade.
Isso tudo a propósito daquela MP que regulariza a posse de terras na Amazônia – reitero: regulariza o que já não é mais floresta intocada — como na imaginação desses “verdes” brasileiros que não saberiam distinguir uma árvore de verdade de uma ilustração. O terrorismo ecológico — “o mundo vai acabar; a Amazônia vai virar um deserto; morreremos todos esturricados” — cede agora, vejam só, à ameaça bélica!!! Se não por consciência ecológica, Lula teria de vetar partes da MP por covardia mesmo…
A coluna não deixa de ser útil porque dá conta do destrambelhamento a que chegou esse discurso, com a Santa Marina Silva jogando seu xale protetor sobre o espírito da floresta. É interessante que se faça essa gritaria sem que se diga o que deve ser feito com toda aquela gente. Deve virar comida de jacaré?
Já publiquei os números. Publico-os de novo. Assim está distribuído o território brasileiro. E é assim porque é, não porque eu queira:
– Unidades de Conservação e Terras indígenas – 2.294.343 km² – 27%
– Reserva legal – 2.685.542 km² – 32%
– Áreas de preservação permanente – 1.442.544 km² – 17%
– Total – 6.059.526 km² – 71%Continua após a publicidadeSe vocês fizerem a soma, verão que os territórios intocáveis são inferiores à soma das outras três. É que ainda falta espaço para atender às áreas de preservação permanente da Amazônia e do Pantanal. A coisa pode piorar…
Sabem o que isso significa? Que restaram para as cidades, para as obras de infra-estrutura e, pasmem!, para a agricultura e a pecuária apenas 2.455.350 km² – ou seja, 29% do território nacional. É isso mesmo: menos de 30% para todo o resto. Não saí somando área por área. O levantamento é do professor Evaristo Miranda, que não é da Faculdade do Desmatamento de Xiririca da Serra. Ele pertence à respeitadíssima Embrapa.
Finalmente
Eu nunca caí na cascata, claro, de que Bush invadiu o Iraque só para pegar o petróleo. “Eles” é que diziam e dizem isso para evidenciar o quanto ele era mau. Mas convenham: se é justificável que “potências estrangeiras” venham tomar a Amazônia porque não sabemos o que fazer com ela, o ex-presidente dos EUA teria feito muito bem em tomar os poços de Saddam, não é mesmo?
O discurso ecológico, como se vê, entrou na fase do surto. Minc é contagioso.