O Coração das Trevas. Ou: Tiririca não copia Marta, mas Marta copia Tiririca
Tiririca ainda acabará rendendo ensaios de Sociologia & Política. Os “integrados” à nova ordem sustentarão que “superiores são os poderes do povo”. Se ele quer… Os fatalistas apelarão a certa ontologia para sustentar que “Tiririca é” porque o “povo é”. “E você, Reinaldo, diz o quê?” Ah, bem, eu tenho cá a minha “teoria das […]
Tiririca ainda acabará rendendo ensaios de Sociologia & Política. Os “integrados” à nova ordem sustentarão que “superiores são os poderes do povo”. Se ele quer… Os fatalistas apelarão a certa ontologia para sustentar que “Tiririca é” porque o “povo é”. “E você, Reinaldo, diz o quê?” Ah, bem, eu tenho cá a minha “teoria das elites”. Já até escrevi a respeito: a democracia é assuntos sério demais para ficar só sob os cuidados do povo. No mundo inteiro, quem impede a barbárie são as elites intelectuais. Se e quando renunciam a seu papel, a vaca vai para o brejo. Mas deixo isso pra lá agora.
O fenômeno que está em curso no Brasil é fabuloso. Lembro de uma observação minha que rendeu muitos protestos, coisa lá do fim dos anos 90, segundo a qual a proximidade entre os intelectuais e o sindicalismo não havia deixado os sindicalistas mais ilustrados, mas certamente tinha tornado os intelectuais mais truculentos. E constatei: a USP não passou saber nenhum aos sindicalistas, mas eles conseguiram sindicalizar a USP. É o que se chama nivelamento por baixo.
O vídeo em que Tiririca pede voto para ajudar a própria família e em que declara que não sabe o que faz um deputado federal é bastante conhecido. Este que segue é menos. Assistam — é rapidinho:
httpv://www.youtube.com/watch?v=N3TOAmI8rvo
Viram? O palhaço já estende até um olhar crítico sobre o processo eleitoral — deve estar com alguma assessoria, não? Esse vídeo já tem uma ironia alguns degraus acima da pura depredação do bom senso, do bom gosto, dos bons modos — da civilização, enfim. Agora vejam isto:
[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=fOf46I9YjU8&w=520&h=385]
“Vi minha mãe sair pra luta
Vi minha mãe se distanciar
Vi minha mãe sair do lar
para ao povo se dedicar”
A sofisticação dos versos me faz pensar que o autor é Supla. A levada meio “breganeja” sugere que a música é de João, aquele que gosta de “MPB cabeça”. Entre os dois, há o terceiro, cujo nome está no Google, que tem cara de contador.
O que diferenia Tiririca de Marta? Diria que o “abestado” é ligeiramente mais honesto intelectualmente. Vem daquele estrato da população que considera que política é coisa de espertalhões, oportunistas e larápios e decide também ele fazer parte da festa. Outros, com mais alcance do que ele, o colocam no picadeiro para puxar votos. O que ele tem a oferecer? Isso aí.
Marta vem de outra linhagem e de um tempo em que os petistas diziam ter ambições verdadeiramente didáticas — campanhas centradas em valores etc e tal. “Ah, mas ela tem história; goste-se ou não, faz um trabalho sério”, poderia ponderar alguém. E por que o ridículo? Qual dos dois vídeos trata a política como a arena pública, em que se debatem os problemas do país?
Mas eu entendo. Segundo pesquisas, há um certo risco de o pagodeiro Netinho (PC do B) ter mais votos do que sua colega de coligação. Assim, ela resolveu também aderir ao gingado. Esse é, vamos dizer assim, o pagode da “petista que veste Prada”, o “Pagode da Zona Oeste e Jardins”.
Quanto à letra — e já que a candidata pôs a família na vitrine,— dizer o quê? Esse negócio de “vi minha mãe sair do lar” vai acabar desestimulando algumas mulheres que são mães a a entrar na política. Acabarão ficando com medo do resultado, se é que me entendem… Se bem que Marta não fez essa prole sozinha, justiça se lhe faça.