Justiça erga omnes ou humilhação erga omnes?
Ninguém me patrulha, não. E vou fazer todas as perguntas que me incomodam. Os diretores da Odebrecht e da Andrade Gutierrez foram presos no dia 19. Faz 14 dias hoje. Até agora, o Ministério Público Federal não ouviu ninguém nem marcou depoimento. Criou-se mais uma expressão marqueteira — “Erga omnes” (para todos) — e pronto. […]
Ninguém me patrulha, não. E vou fazer todas as perguntas que me incomodam. Os diretores da Odebrecht e da Andrade Gutierrez foram presos no dia 19. Faz 14 dias hoje. Até agora, o Ministério Público Federal não ouviu ninguém nem marcou depoimento. Criou-se mais uma expressão marqueteira — “Erga omnes” (para todos) — e pronto. O que é para todos? Eu havia entendido que era a Justiça. Mas me parece que, na fase robespierriana em curso, falava-se da cadeia.
Sim, leitor, você não fez nada. Nem eu. Somos inocentes seja lá do que for. Mas vai que qualquer um de nós seja enredado nisso ou naquilo. Conheço e conheci jornalistas e colunistas, até onde sei inocentes, que quase se deram mal nesses arroubos justiceiros. Digam-me cá: faz sentido manter pessoas em prisão preventiva sem nem mesmo saber o que elas têm a dizer?
É “justiça erga omnes” ou “cadeia erga omnes”? A primeira expressão é própria das democracias e só delas; a segunda também serve a ditaduras, formais e informais.
Que se as ouça, então. Quando menos, para que se tente esclarecer os motivos da prisão preventiva. É uma chance de fazer indagações aos presos inclusive sobre esses alegados motivos.
Enquanto pessoas forem presas — pedreiros ou empreiteiros, petistas ou não, vermelhos ou azuis, feios ou bonitos, magros ou gordos, apreciadores ou não de comida japonesa e do Bolero de Ravel —, ficarem de molho duas semanas, sem nem um depoimento, enquanto a imprensa é inundada de vazamentos, este blog vai protestar. Eu vou protestar. Não é assim que toca a música na democracia.
Há muitos anos, eu era redator-chefe da revista BRAVO!, e o cineasta italiano Bernardo Bertolucci nos concedeu uma entrevista. Afirmou: “O fascismo pode começar caçando tarados”. Entenda-se: ele não estava defendendo os tarados. Estava apenas afirmando que, sob o pretexto de combater maus hábitos, não se devem ferir direitos fundamentais.
De resto, a parte mais difícil na democracia é convencer que as pessoas, mesmo depois de comprovadamente culpadas, têm direitos que precisam ser respeitados — ainda que sejam mais restritos do que os que assistem aos inocentes.
Antes da culpa firmada, então… Que sentido faz manter as pessoas presas, em regime preventivo, por 15 dias sem marcar depoimento. Que outro propósito existe além da humilhação “erga omnes”?
Nem Ministério Público nem ninguém estão acima dos valores essenciais da democracia e do estado de direito, nem que seja na suposta defesa da democracia e do estado de direito…