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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Imprensa: sintomas da doença do servilismo

Se, por algum milagre, todos os homens públicos brasileiros decidissem ser honestos — isto é, não roubar (tá, gente, estou falando por hipótese…) —, seria preciso fechar boa parte da imprensa brasileira. O chamado jornalismo investigativo, sem dúvida, faz bem para a democracia à medida que denuncia muita safadeza. Mas também torna a impresa dependente […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h28 - Publicado em 17 Maio 2007, 06h03
Se, por algum milagre, todos os homens públicos brasileiros decidissem ser honestos — isto é, não roubar (tá, gente, estou falando por hipótese…) —, seria preciso fechar boa parte da imprensa brasileira. O chamado jornalismo investigativo, sem dúvida, faz bem para a democracia à medida que denuncia muita safadeza. Mas também torna a impresa dependente de uma droga: se escasseiam as denúncias, ela fica sem ter o que fazer, burocratiza-se, fica chata. Qual é tese, Reinaldo? É a seguinte: boa parte do jornalismo não sabe mais cobrir questões institucionais, que dizem respeito às liberdades e aos direitos individuais. Temo que uma política conduzida por homens honestos poderia instalar uma ditadura virtuosa no Brasil sem que a tal sociedade civil desse um pio.

Estão aí as duas CPIs do Apagão Aéreo. Parece que ninguém confia muito nelas. Vivemos uma espécie de entressafra das acusações de corrupção — sim, isso passa; os nossos homens públicos estão longe daquela honestidade de que falo no primeiro parágrafo. De todo modo, os temas institucionais continuariam aí, com ou sem lambança, à espera do devido tratamento. Que não vem. Parece que já nos esquecemos um tanto do sentido da liberdade. Estamos sempre atrás de um “crime”. Ou, então, nos perdemos ao garantir a exposição de quantas versões houver de uma história — deixando de dizer, afinal de contas, ao leitor o que é fato e o que é fantasia. Juntam-se a esses dois fatores emburrecedores da imprensa um terceiro: o pensamento politicamente correto, que, entre nós, veste a camiseta do petismo. Pronto. O desastre está consumado.

Falei até agora em tese. Dou exemplos. Reparem no silêncio da maior parte do jornalismo sobre a volta da censura prévia no país. Muito bem: alguns pretendem que o governo esteja apenas empenhado em fazer a classificação da programação, o que existiria em outros países. Diogo Mainardi tratou disso em sua coluna. Alguém se apressou em ler o tal manual do Ministério da Justiça, em que se confere uma pontuação para os programas? O texto, de maneira escandalosa, faz a apologia de valores que nada têm de técnicos, mas de ideológicos. A questão de fundo é a seguinte: achamos que devem ser as famílias a responder primordialmente pela educação moral de nossas crianças ou o Estado? O que vai ao ar na TV é matéria de interesse público também? Claro que sim. Mas o caminho democrático, liberal (a nossa imprensa acredita mesmo nos valores de uma sociedade livre?), é a auto-regulamentação, jamais a censura prévia. Diogo certamente continuará a tratar do assunto. E eu também.

Parte significativa da imprensa está com os radares confusos para identificar quando o estado democrático de direito está sob ataque. Garantir a todos os protagonistas o direito a uma versão dos fatos não dispensa o jornalista e o veículo de distinguir o fato da versão. Para que não pareça apenas jogo de palavras. Leio, por exemplo, na Folha desta quinta o seguinte sobre a greve de meia-dúzia de estudantes e servidores da USP: “Os funcionários reivindicam a revogação dos decretos assinados por Serra publicados no início deste ano, que incluem a criação da Secretaria de Ensino Superior. Para os manifestantes, a medida tira das escolas as condições de definir suas diretrizes. O governo nega a interferência nas universidades e diz que a criação da secretaria foi feita para valorizá-las.” Viram? Os dois lados estão aí, certo? Certo. E o lado do leitor? Afinal, os decretos tiram ou não “das escolas as condições de definir as suas diretrizes”? Não tiram. Os reitores seriam os primeiros interessados em denunciar qualquer agressão à autonomia. No mesmo jornal, a reitora da USP, Suely Vilela, escreve um artigo negando a acusação dos militantes.

A reportagem ficou no empate? Infelizmente, não. Infelizmente, ela assume o lado dos invasores já no título: “Funcionários da USP param contra menor autonomia”. Tal título, aliás, resume uma soma formidável de equívocos: não há qualquer evidência de que a autonomia seja “menor” (ou então que se demonstre factualmente, não com as acusações de Sintusp e invasores); fica parecendo que a pauta principal do Sintusp é a autonomia… Ora, basta uma memória rápida da atuação deste sindicato na USP para saber que não. A pauta do Sintusp, acreditem, no curto prazo, é a eleição direta para reitor na base de “cada homem, um voto” (para estudantes, funcionários e professores) e, no longo prazo, o socialismo.

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Qual é a abordagem — e não pergunto só em relação à Folha, não; tais distorções podem ser encontradas em qualquer veículo, de qualquer mídia — da imprensa de um país democrático, em que vigoram o estado de direito e a economia de mercado? A pergunta é justa. No jornalzinho do Sintusp, obviamente, as minhas questões são irrelevantes. Ou no boletim da CUT. Mas Veja, Folha, Estadão, O Globo, TV Globo, JB etc. não são porta-vozes dos que depredam o estado de direito ou a lei para garantir mais justiça no mundo. A arbitragem dos conflitos tem os lugares próprios. Quero crer que sejam veículos, todos eles, que defendem a lei, a justiça, a ordem, a sociedade do contrato. Pode-se, sem dúvida, expor a versão dos fatos até mesmo de um facínora como Marcola. Mas é preciso que fique muito claro — e só o editorial não basta — com que lentes se vê o mundo. No caso da USP, não se trata, jamais, de indagar se há ou não motivos justos para a invasão. A invasão é inadmissível. Ponto final.

Essa confusão de critérios se dá em razão da mãe — ou pai — de todos os equívocos, que faz com que muitos setores da mídia sejam servis às esquerdas e ao PT: o pensamento politicamente correto. Senti um certo cheiro de carne queimada quando vi na primeira página da Folha e do Estadão de ontem a foto do governador José Serra com um fuzil na mão. Título da legenda no primeiro jornal: “Franco-Atirador”; e do segundo: “Na mira: Serra brinca com fogo”. No Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP) criticou o governador. Na Assembléia, o líder do PT fez a mesma coisa. Na Folha de hoje, algumas personalidades falam sobre o “caso”. Há quem o ache irrelevante, mas uma certa Viviane de Oliveira Cubas, pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, não teve dúvida: “É uma atitude que você não espera de alguém que ocupa o cargo que ele ocupa. É um instrumento de trabalho da polícia. [A atitude] não necessariamente [estimula] a violência, mas o fascínio por armas pode ser estimulado.” Hein??? Quer dizer que o fascínio por armas pode ser estimulado, mas não a violência? Em que o fascínio por armas que não estimule a violência é diferente do fascínio por, sei lá, tulipas holandesas?

A foto era boa? Vejam só: fotos não servem apenas para preencher espaço em jornal ou revista. Suas virtudes vão além da ilustração. Devem dizer alguma coisa. A de Serra diz o quê? Indica que ele é um homem afeito às armas, que estimula a violência policial, que comanda uma política na PM e na Polícia Civil avessa aos direitos humanos? O que não passou de uma brincadeira rápida virou matéria de interpretação sociológica — sociologia ordinária, do puro chute, do achismo. Aliás, o que mais fica evidente nas duas fotos é a sua falta de jeito para segurar a arma. Que importância uma foto como essa teria nos EUA? Nenhuma. Que importância ela tem para a larga maioria da população brasileira? Nenhuma. Mas ela é importante para a cultura politicamente correta da imprensa.

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Com ela — e os minitítulos não deixam dúvida —, pretende-se expressar o repúdio dos bem-pensantes às armas de fogo, que seriam uma mal em si. Caso o governador visite, sei lá, um orquidário, convém não se deixar fotografar ao lado de uma flor. Pior: a solenidade era uma homenagem à tropa de elite da PM, que vinha de um caso bem-sucedido. Os bem-pensantes também não gostam da polícia — herança de 1968… Ontem, fiz aqui um comentário sobre uma matéria do SP-TV, que foi até a reitoria da USP. O repórter foi proibido de entrar no prédio, mas o jornal levou ao ar um filminho feito pelos invasores e entrevistou uma representante do sindicato dos funcionários quem nem mesmo sabia a que secretaria as universidades estão vinculadas. Mais: mentiu no ar. Sem contestação.

Estamos diante de flagrantes um tanto preocupantes. Chega a ser irônico que o governo Lula tenha decidido criar o seu próprio canal de televisão porque considera que a mídia, de qualquer natureza, não faz direito o seu trabalho. Do ponto de vista do PT, parece-me, não há do que reclamar. Muito ao contrário. Os sensores para identificar agressões à institucionalidade democrática estão absolutamente prejudicados, contaminados pela vigarice militante e por um certo “isentismo” que está sempre do lado do “oprimido” de manual, das “vítimas” definidas pela militância de esquerda.

E vocês já podem se preparar. Se a PM tiver mesmo de desalojar as Mafaldinhas e os Remelentos — provavelmente protegidos por uma brigada de mães armadas com Toddynho —, a abordagem já está definida desde agora: a polícia é truculenta, os estudantes são pacíficos, e será preciso investigar depois se houve excessos. E, no entanto, é o caso de perguntar: quem é mesmo a vítima no caso da invasão da reitoria?

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PS: Quando leio, gosto de silêncio — se possível, absoluto. Mas escrevo com a TV ligada; o barulho não me incomoda. Enquanto concluía o texto acima, a TV estava sintonizada na Globo. No ar, um programa chamado Tecendo O Saber, patrocinado pela Fundação Roberto Marinho e pela Fundação Vale do Rio Doce. O tema era latifúndio. O texto parecia escrito por João Pedro Stedile. A esquerda aparelha até programa que ninguém vê. Agora começou o Telecurso. Mais marxismo amador apresentado com aquele estilo do didatismo decoroso de atores também amadores. É o que os esquerdistas gostariam que fosse a TV brasileira. A fundação do “Dr. Roberto” dá dinheiro pra essa gente brincar, e eles produzem esses horrores.

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