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Reinaldo Azevedo

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Eu, vocês, nós, ELE!

Este é um texto de despedida. De 2009. É claro que, até o dia 11 de janeiro do ano que vem, data do meu retorno à regularidade, ainda acabo voltando aqui. Porque sei que alguma idéia vai me causar aquele frêmito suave que me empurra para dividir com vocês uma impressão, uma indignação, um desses […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 16h07 - Publicado em 10 jan 2010, 07h17

Este é um texto de despedida. De 2009. É claro que, até o dia 11 de janeiro do ano que vem, data do meu retorno à regularidade, ainda acabo voltando aqui. Porque sei que alguma idéia vai me causar aquele frêmito suave que me empurra para dividir com vocês uma impressão, uma indignação, um desses lirismos bestas a que nos damos o direito quando estamos, assim, sem fazer nada, com os pés na areia, tentando ser parte da natureza. E cientes de que somos outra coisa, “quase que maldita”, como diria Drummond.

Porque não somos só parte dela. Somos também aqueles que ponderam e que ousam. E que sonham. E que se indignam. E que se metem em grandes armadilhas. Sempre que penso nesses assuntos, socorre-me o Poema de Sete Faces, do mesmo Drummond:
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Somos tão fracos. E a nossa parte mais dramaticamente comovente são as nossas esperanças. Que socorrem todo homem, de qualquer formação intelectual, de qualquer classe, de qualquer idade. Jamais consegui expressar adequadamente em palavras  — Santo Agostinho foi quem chegou mais perto, acho eu — como um cristão (no caso, católico) vê o drama humano. Temos os olhos de quem vive uma espécie de tristeza provocada pelo bem divino. Conhecem o quadro O Grito, de Munch? É o susto, do nada, sobre a ponte, enquanto outros realizam seu passeio rotineiro, burocrático. “Por que me deste tantos anseios se sabias que eu era fraco?”

E, no entanto, Ele nos deu. Ele nos Deus.

Queridas e queridos,
ao longo destes três anos e pouco, tenho dividido com vocês perplexidades, anseios, dúvidas, indignações, alegrias, idéias, morfemas sentimentais… À diferença do que sustentam alguns, não tenho agenda nenhuma que não seja a aposta no mais radical, extremo e inegociável individualismo. Se tenho um norte, ele é tão-somente este: o homem não é e não deve ser reduzido a uma equação cuja resposta é um partido, um grupo, uma ideologia. Reajo, e reagimos, à tentativa ou de nos enquadrarem num projeto de poder ou de nos fazerem sabotadores desse projeto. Não somos nem uma coisa nem outra porque essa gente, esses utopistas do estado burocrático, esses reformadores de cartório, estes vigaristas de sonhos mesquinhos, nem mesmo são nossos oponentes qualificados. Eles não são NADA!

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Pensam, tolamente, que apenas queremos este ou aquele na Presidência ou que rejeitamos esta ou aquela. Mas nós nem mesmo damos bola para os amanhãs gloriosos com que nos acenam ou para as punições com que nos ameaçam. Estamos olhando para outro lugar. Enquanto eles falam, enquanto eles prometem, enquanto eles vociferam, enquanto eles tentam fazer pouco de nossa resistência, estamos distraídos com o fundo de nossas próprias consciências, onde eles não entram. MAL SABEM QUE O NOSSO REPÚDIO AO QUE PENSAM DERIVA MENOS DE SUAS IDÉIAS SOBRE POLÍTICA E ECONOMIA DO QUE DE SUA IMENSA VULGARIDADE, tão ocupados em assegurar um pequeno cargo, um pequeno mando, uma pequena prebenda, um pequeno privilégio — de que se fazem as grandes falcatruas.

Nós somos aqueles que olharam para o estado há três, quatro séculos, e disseram: “Cuidado! Isso pode aprisionar a vontade; isto, potencialmente, mata a liberdade”.  O nosso repúdio a seu mundo não depende de seguirem nisto ou naquilo as leis de mercado. Já disse: meu grande orgulho é ter escrito, antes das eleições de 2002, que o maior risco do governo Lula não era “dar errado”, mas “dar certo”. Porque haveria, como há, a tentativa de cobrar o preço de seus acertos em “moeda institucional”. Estamos entre aqueles que não aceitam o pagamento, que não aceitam a chantagem. Vivem-se dias miseráveis, de satanização da crítica, em que se pretende que todo anseio tenha o tamanho da promessa e da bazófia de um demiurgo matusquela. Ocorre que somos da antiga linhagem dos homens que dizem “não”.

Precários, sabemos que não somos Deus. E que ninguém é Deus. E que um dos demônios que nos tentam é o Estado.

Vulgares que são, tentam nos arrastar para a sua mesquinharia: “Se Fulana ganhar, quero ver; se Beltrano ganhar, o que vocês farão?” Beltrano? Fulana? Do que fala essa gente? O que mais irrita esses totalitários é a constatação de que não podem nos capturar ou nos seduzir, nem mesmo com a sua caricatura de neofanáticos do mercado.

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Queridas e queridos,
tenham um ótimo Natal! E que 2010 seja um ano de reafirmação da autoridade do indivíduo sobre a manada. Se quiserem passar por aqui nos próximos dias, há a possibilidade de vocês encontrarem uma coisa ou outra. No dia 11, estarei de volta à produção regular.

Obrigado pelo rigor que vocês cobram de mim. Obrigado por esse afeto exigente e elegante!

Texto originalmente publicado às 4h51 do dia 24 de dezembro de 2009

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