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Dois Córregos, um título de “Cidadão Emérito” e memórias sentimentais

Não posso reclamar da sorte. Estou muito satisfeito com a minha profissão e faço aquilo de que gosto, sem sacrifício ou sofrimento. Talvez a carga pudesse ser mais leve; talvez eu pudesse até mesmo trabalhar um pouco menos, mas é assim que sei fazer. E os milhares de leitores evidenciam que aqui se trava um […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 14h27 - Publicado em 24 ago 2010, 07h25

Não posso reclamar da sorte. Estou muito satisfeito com a minha profissão e faço aquilo de que gosto, sem sacrifício ou sofrimento. Talvez a carga pudesse ser mais leve; talvez eu pudesse até mesmo trabalhar um pouco menos, mas é assim que sei fazer. E os milhares de leitores evidenciam que aqui se trava um debate  considerado necessário — até aqueles que me brindam com seu ódio fiel não deixam de fazer parte do jogo. Aliás, com humor, observo que o amor pode até se distrair às vezes, já o ódio é sempre muito dedicado. O reconhecimento dos meus leitores me estimula a recomeçar sempre e a tentar melhorar meus argumentos. Pois bem. Vejam agora esta imagem.

dois-corregos-tituloÉ a reprodução de um título. Na sexta-feira, tornei-me “Cidadão Emérito de Dois Córregos”, interior de São Paulo. Se eu contar todas as férias escolares que lá passei desde menino e as minhas viagens freqüentes, poderia parafrasear Carlos Drummond com a sua Itabira natal e dizer: “Alguns anos vivi em Dois Córregos. Principalmente nasci em Dois Córregos”. Há na confidência do poeta certa melancolia que não consigo sentir ao visitar a minha terra, especialmente porque lá está boa parte das pessoas que amo. Como já disse aqui certa feita, na cidade, estão muitos dos meus vivos e também dos meus mortos.

Não vejam no que vai agora nada de mórbido ou triste. Visito o cemitério todas as vezes, percorrendo a geografia do tempo: logo à entrada, nas ruas muito antigas, estão os meus bisavós; lá pelo meio, os meus avós; numa rua bem mais recente, meu pai. Não temo o encontro marcado sabe-se lá a que distância daquele último muro. Pertenço àquela terra. Lavo o túmulo de meu pai, visito os outros, faço as minhas orações e tenho a certeza de que pertenço a algum lugar, e isso me pacifica. Mas chega de confissões!

O fato é que a minha cidade, por intermédio da Câmara Municipal, concedeu-me o título de Cidadão Emérito. E o motivo principal dessa láurea é justamente o trabalho que fazemos aqui — e esse “nós” não é meramente retórico. Só nas ditaduras e na TV do Franklin Martins existe imprensa sem leitor, ouvinte ou telespectador. Não lustro a demagogia quando escrevo que os considero co-autores desta página — e, por isso, divido a distinção com vocês.

É claro que estou feliz. Se, na esfera privada, de nossa vida de afetos mais íntima, o único olhar relevante é aquele que nossa mãe e nosso pai deita sobre nós, como cidadãos do mundo, o “juiz” que nos é mais caro é mesmo a comunidade a que pertencemos ou à qual fazemos questão de pertencer. O título me foi concedido, como deixaram claro os discursos, por meu trabalho EM DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA.

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A proposta original foi do vereador Francisco Augusto Prado Telles Júnior e contou com a unanimidade da Câmara: Leandro Luís Mangili (presidente), Antonio Carlos Batista, Édson Rinaldo Spirito, Rogério Antonio Ferreira, Rogério Augusto Barbosa do Amaral, Ruy Diomedes Favaro e Verusca Missaci Haddad. Estavam também presentes à solenidade o prefeito, Luís Antônio Nais, e o vice, Antonio Hilário Francisconi. O evento teve organização impecável, sob o comando de Valéria Marson e equipe (Fuzer, Luís, Marcelo, Juninho, Amanda e Rose). O jornalista Neilton Esteves, mestre-de-cerimônias, conduziu o trabalho com profissionalismo e elegância.

Liberdade de imprensa
É claro que este homenageado disse algumas palavras aos presentes. Mas elas têm menos importância agora. Fiquei realmente comovido com os discursos de Francisco Telles, o autor da proposta de decreto legislativo que me concedeu o título; de Luís Antônio Nais, o prefeito, e de Leandro Luís Mangili, o presidente da Câmara. Todos eles falaram de forma vigorosa em defesa da liberdade de imprensa e saudaram neste escriba não apenas um divulgador da cidade, mas também um defensor intransigente dos princípios constitucionais que asseguram a liberdade de expressão, ainda o melhor remédio contra as tentações autoritárias. A solenidade foi aberta ao público, reuniu perto de 300 pessoas, e deu para perceber que Nais tem uma popularidade, digamos, “lulística” na cidade, embora sua fala não resvale na demagogia.

Destaco um trecho do discurso de Francisco Telles, que nada fica a dever ao que de melhor se pensa sobre a liberdade de imprensa:
“(…) A arte do jornalista não nos pacifica, não nos coloca em acordo, mas nos irmana. Somos irmãos porque discordamos uns dos outros. A possibilidade da divergência nos assegura a liberdade (…). Para a democracia funcionar, deve estar (…) protegida de usurpadores que se pretendem representantes absolutos do bem sobre a Terra. A missão da democracia (…) é fragmentar o poder para que ele não anule o indivíduo.

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Reinaldo representa isso (…). Sem se deixar levar pela delinqüência intelectual nem se intimidar pela patrulha ideológica, ouve a unanimidade e a decompõe em partes contraditórias que dividem opiniões, nos protegendo e nos salvando do poder.
A imprensa livre vigia o poder e, por meio do debate, preserva a democracia”.

Foi uma noite perfeita. Vi reconhecido o meu trabalho diante da minha família — mulher, mãe, irmã, cunhado, tias, tios, primos — e diante da comunidade. Constatei, então, que, como no poema de Wordsworth, que Machado de Assis cita em Memórias Póstumas de Brás Cubas, “o menino é o pai do homem”.

Há muito tempo, eu tinha uns 13, 14 anos,  ao lado de um fogão de lenha, com o fogo já apagado, mas o carvão ainda em brasa, meu avô materno — Terenciano —  interrompeu a minha leitura e perguntou o que eu iria fazer da vida: “Vou escrever”. Ele se preparava para ir para a cama. Desfez o nó da corrente do relógio de bolso, caminhou para a sala de jantar e pendurou-o num ganchinho que havia na parede, como fez a vida inteira. E de lá me disse:
— Escrever é bom! Até amanhã!
— A benção, vô!

— Deus te abençoe!
Aquele relógio segue na parede da minha memória. E talvez eu só seja,  lembrando de novo Drummond,  um “menino antigo”.

Minha gratidão a quantos me proporcionaram uma noite tão feliz!

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“Escrever é bom!”

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