Dilma faz chororô altivo sobre xingamentos de que foi alvo no Itaquerão; então vamos ver onde está o autoritarismo nessa história
A presidente Dilma Rousseff participou, nesta sexta, da inauguração da primeira etapa do Expresso DF, obra construída com recursos federais. Referiu-se às vaias e aos xingamentos de que foi alvo na quinta, no Itaquerão, no jogo inaugural da Copa do Mundo: “Não são xingamentos que vão me intimidar, atemorizar. Não me abaterei”. Só para lembrar: […]
A presidente Dilma Rousseff participou, nesta sexta, da inauguração da primeira etapa do Expresso DF, obra construída com recursos federais. Referiu-se às vaias e aos xingamentos de que foi alvo na quinta, no Itaquerão, no jogo inaugural da Copa do Mundo: “Não são xingamentos que vão me intimidar, atemorizar. Não me abaterei”. Só para lembrar: no roteiro traçado pré-junho do ano passado, a presidente faria um discurso abrindo a competição. Na imaginação petista, seria o momento da consagração. A Copa deveria ser uma espécie de resultado antecipado da eleição de outubro, com a oposição aniquilada. Bem, hoje, a presidente está sitiada em seu Palácio e só consegue falar a plateias rigidamente controladas, como a que a ouviu nesta sexta. Vamos pôr os pingos nos is.
Ninguém está tentando intimidar a presidente da República. Isso é pura retórica oca. Por que alguém o faria? Se intimidação há, ela parte justamente do poder; se há um esforço de calar o outro, ele deriva do Palácio do Planalto. Dilma teve o topete de recorrer à Rede Nacional de Rádio e Televisão, dois dias antes do jogo de abertura da Copa, e não apenas para saudar a realização do evento no Brasil. Fosse só isso, vá lá… Ocupou, de modo autoritário e despropositado, um bem público para responder a críticos e adversários políticos — assim, mesmo, no plural —, que, no entanto, não gozam da mesma licença. Ora, encarasse, então, os microfones no estádio. Mas isso não teve coragem de fazer!
Nesta sexta, a presidente, mais uma vez, voltou a fazer uma alusão ao período em que ficou presa, quando teria sido torturada: “O povo brasileiro não pensa assim e, sobretudo, o povo brasileiro não se sente da forma como esses xingamentos expressam. O povo brasileiro é civilizado e extremamente generoso e educado. Podem contar que isso não me enfraquece. Podem contar. (…) Não suportei apenas agressões verbais. Foram agressões físicas quase insuportáveis, e nada me tirou do meu rumo. Nada tirou de mim os compromissos que assumi ou os caminhos que tracei para mim”. É uma péssima e lastimável maneira de responder às vaias e aos xingamentos por várias razões, distintas e combinadas. Vamos a elas.
Em primeiríssimo lugar, se Dilma foi torturada, quem a torturou foram os marginais da ditadura. Aquele som que se ouviu no Itaquerão, ainda que desagradável — e, pessoalmente, não acho que xingamentos sejam uma boa maneira de expressar descontentamento —, vieram a público na vigência da democracia. Assim, cumpre que a agora presidente tenha compostura e não misture alhos com bugalhos. Considerar que a vaia pode ser uma etapa da tortura é evidência de confusão mental. De resto, a tortura não torna certo quem está errado nem errado quem está certo.
Em segundo lugar, não existe esse “o povo brasileiro”, como quer a presidente. Existem povos brasileiros. Deem-me uma boa razão para tentar cassar o crachá de “povo” de quem protesta e xinga. Então seria “povo de verdade” apenas quem aplaude e cai de joelhos diante do poder? Ora, presidente…
Em terceiro lugar, a fala de Dilma sugere que a manifestação no Itaquerão decorreu de um espécie de conspiração, de combinação prévia… É mesmo? Quem teria tramado, então, aquele protesto que uniu milhares de pessoas? As oposições?
Em quarto lugar, ao afirmar que não se intimida, fica parecendo que a presidente enfrenta interesses poderosos, que estariam do outro lado, tentando constrange-la a fazer o que não quer. Quais são? Reparem que, quando acuados, os governantes brasileiros sempre voltam ao fantasma brandido por Jânio Quadros: as tais forças ocultas… Não há nada de oculto na reação negativa ao governo Dilma. Há milhões de pessoas insatisfeitas com o desempenho do governo. É coisa corriqueira aqui e em qualquer país do mundo. Vaia-se na França, na Alemanha, nos EUA ou no Brasil. Nas ditaduras, aplaudir é obrigatório. Nas democracias, as pessoas podem escolher entre a vaia, o aplauso e a indiferença.
Dilma só é vítima da ruindade de seu governo. E olhem que os insatisfeitos do Itaquerão não deviam saber da missa nem a metade. É bem provável que muitos por lá ignorassem que a presidente baixou um decreto, o 8.243, que torna o petismo e suas franjas sócios eternos do poder, mesmo que percam as eleições. Os protestos poderiam ter sido bem mais veementes, não é mesmo?