CLÓVIS ROSSI NO SEU PIOR MOMENTO
O MST foi o tema da coluna de domingo de Clóvis Rossi, na Folha. Raramente um jornalista produziu tão formidável coleção de bobagens em texto tão curto. A elas (em vermelho). Com os azuis conseqüentes. Abstraída a fulanização, não dá para discordar de Gilmar Mendes, o presidente do STF, quando diz que é uma ilegalidade […]
Abstraída a fulanização, não dá para discordar de Gilmar Mendes, o presidente do STF, quando diz que é uma ilegalidade dar dinheiro público para quem pratica ilegalidades. Até aí, é fácil. Introduza-se na equação a sigla MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a coisa se complica. Para começar, pinçar o MST entre os que supostamente praticam ilicitudes e recebem dinheiro público soa a viés ideológico, incabível em funcionários do Poder Judiciário.Segundo o, por assim dizer, raciocínio de Clóvis Rossi, Paulo Maluf jamais poderia ter sido alvo de investigação, dado que não se investigaram todos os políticos com, sejamos singelos, biografia semelhante. Rossi jamais reclamou que Maluf fora “pinçado” em razão de algum viés ideológico. Estaria aí a revelação do viés do jornalista? Ah, sim: eu jamais reclamei do “pinçamento” de Maluf porque não se pôde fazer toda a justiça que a terra merece…
Para ficar só em dois exemplos: importantes líderes do PT enfrentam processo no próprio STF (por formação de quadrilha). O PT, como os demais partidos, recebe dinheiro púbico. O governador afastado da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), perdeu o cargo por compra de votos. O PSDB recebe dinheiro público. Devem PT e PSDB responder pela ilegalidade de alguns de seus integrantes? Ah, nem o caso do PT nem o de Cunha Lima percorreram todas as instâncias? É verdade. Mas onde está então a sentença que condena o MST por ilegalidades?
É uma tolice formidável. PT, PSDB e demais partidos recebem recursos públicos do fundo partidário porque têm existência legal. O MST não tem. O paralelo é descabido. Para que fosse perfeito, seria preciso que um partido ilegal estivesse recebendo dinheiro do fundo. Será que fui claro ou preciso desenhar? Deve haver outro modo de tentar limpar a barra de João Pedro Stedile e seus bravos. Esse é muito fraco. Ademais, vá lá: os 39 do mensalão estão sendo processados. Cássio Cunha Lima perdeu o mandato. Até agora, o MST não respondeu por nenhum de seus crimes — e, a rigor, não pode responder como movimento — porque não existe. A pergunta final do parágrafo é uma estultice: como aplicar uma sentença contra o movimento que não tem existência legal?
A defesa que o governo fez de sua ação após a crítica de Mendes é, por sua vez, inepta.
Inepta por quê? Na prática, é igual à de Rossi.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, preferiu fingir que as entidades de que se vale o MST para receber dinheiro não são braços do movimento, o que é negar o escandalosamente óbvio.
Logo, trata-se de uma ilegalidade, e o artigo de Rossi não faz sentido.
Cassel parece, implicitamente, também criminalizar o MST, ao dizer que o dinheiro público não chega a ele. Permite deduzir que, se chegasse, haveria um ilícito. O problema não é se o dinheiro chega ou não ao MST, mas se é ou não bem empregado.
Não, senhor! Se dinheiro público chegar às mãos de Marcola e se ele construir escolas e orfanatos com ele, nem por isso o “dinheiro bem-empregado” atende ao princípio da legalidade. Como? Marcola não é o MST? Por quê? Os bandidos do PCC não costumam dar tiros na cabeça e na cara de suas vítimas?
Por fim, uma dúvida: matar alguém, como em Pernambuco, é crime, claro.
Viram só? Quando alguém ligado “à luta por terra” é assassinado, tem nome, pranto, missa, indignação do jornalismo engajado etc. As vítimas do MST se transformam num singelo “alguém”, quase um dano colateral a ser reconhecido numa frase de claro aspecto concessivo: “Ah, é claro que é crime…” E logo ficamos esperando pela oração adversativa. Que Clóvis Rossi nos oferece sem demora. Começando, aliás, pela conjunção “mas”…
Mas invadir terras é também crime ou é a única maneira que um movimento social voltado para a reforma agrária tem para chamar a atenção para a sua agenda?Invadir terra é também crime, Clóvis Rossi. E não é a “única maneira” de chamar a atenção para a tal agenda. Aliás, cada vez mais, tem sido a pior, uma vez que o MST se transformou numa espécie de cartório. É impressionante! O movimento executou quatro pessoas com requintes de crueldade. O fato mereceu do colunista uma única linha, redigida com óbvia preguiça burocrática. Quem apanhou? Ora, Gilmar Mendes, que se limitou a fazer a defesa da lei. Rossi vive fazendo o elogio, merecido, de um “velho sábio que habitava a Folha”, referindo-se a Octavio Frias de Oliveira. Ou não aprendeu ou esqueceu algumas lições essenciais.