Civilização ou barbárie
Demorei, né? Estava jurando a bandeira… Fui dormir muito tarde, quase 11h da manhã, o sono não chegava, tomei um sossega-Reinaldão e… Bem, perdi a hora, mas não o bonde. Depois fiquei falando com um amigo ao telefone, amigo também de vocês, e só compareço agora. Frio, muito frio. Já cheguei a associá-lo a formas […]
Viram só? Os aplausos superaram as vaias na passagem do Apedeuta em carro aberto. O fato reflete as pesquisas de opinião. A ministra Dilma Rousseff, a mais loquaz hoje, disse que o governo não vai responder às críticas dos adversários; lamentou que o pefelista Rodrigo Maia tenha prometido oposição a Lula — realmente, é um crime: onde já se viu oposição opor-se? — e ainda antecipou a eleição de Lula já em 1º de outubro. Tudo, enfim, como o diabo e o petismo gostam. Em contrapartida, havia eleitores de Geraldo Alckmin no meio da massa. Na camiseta, a inscrição de inspiração cartesiana “Penso, logo voto”.
Pois é. Quais são as chances, na opinião de vocês, de a gente conseguir emplacar no Brasil ao menos um “cogito ergo sum”? Nenhuma! Eu ousaria dizer que a frase estampada na camiseta é um triste emblema da tragédia brasileira. Nela, de certo modo, está a síntese do resultado que se está colhendo nas urnas. Os partidários de Geraldo Alckmin, especialmente entre os tucanos, acreditavam firmemente no seu perfil de “gerente”, lembram-se disso? De “homem competente”, de “administrador capaz”. Tudo isso é verdade. Ele fez uma gestão aprovadíssima em São Paulo. Deixou os Bandeirantes com 70% de ótimo e bom — talvez seja uma marca inédita.
Isso fez supor, então, que esse perfil constituía o exato contraponto — ele era o “Outro” — de Lula: um governo atrapalhado, cada um atirando para um lado, programas que nasciam aos borbotões para morrer no dia seguinte, a exemplo do Primeiro Emprego… Tudo parecia certo na prancheta. Ocorre que o racional em política implica 1) lidar com categorias que, eventualmente, não são racionais; 2) ficar atento à força do adversário.
Os que se entusiasmaram com o nome de Alckmin, a começar dele próprio, se descuidaram dessas duas coisas. Nas categorias não racionais, era preciso considerar que Lula é um líder com características carismáticas. Ainda que esse negócio do “pobre que chegou lá” seja pura pilantragem discursiva — bebe Black Label desde 1980 —, o fato é que ele é uma representação verossímil do “povo” e que sabe falar a sua linguagem. No que respeita à sua força, subestimou-se a máquina eleitoral do Bolsa Família.
Somem-se a isso os erros cometidos pelas oposições ao não punir os seus e tornar verossímil a história de que todos são iguais, e chegamos a esse resultado. Mas o mais grave ainda não está aí. O povo já havia escolhido seu anti-Lula. E era Serra, não Alckmin. Ok, sou sensível ao argumento de que a obstinação do ex-governador pode ter salvado o PSDB de duas derrotas monumentais, em vez de apenas uma: certamente não ganharia em São Paulo (o governador seria Quércia ou Mercadante… Santo Deus!), e haveria, claro, o risco de Serra perder para Lula, já que a estabilidade da economia, mesmo esta precária e sob ameaça, conta a favor de Lula.
É impossível contar a história que não houve. Não existe “se” em história. O “se”, nesse caso, serve, no máximo, à história das mentalidades, um campo respeitável da especulação nas ciências humanas, desde que não seja superestimada. E o que ela nos diz? Que a metafísica influente no oposicionismo, na hora da escolha de quem enfrentaria Lula, privilegiou a chamada “estabilidade econômica” em detrimento do enfrentamento político. Alckmin era, sem dúvida, o preferido, dentre os oposicionistas, de setores importantes do financismo e do grande capital. Não custa lembrar que, quando ele foi ungido candidato pelo PSDB, Maílson da Nóbrega escreveu um texto para o Estadão dizendo que o essencial já estava decidido nestas eleições. Para Maílson, portanto, Lula ou Alckmin, tanto fazia.
Então chegamos aqui. Tudo o mais constante, o governo mais corrupto da história do Brasil se reelege no primeiro turno, com um Congresso alquebrado, sob suspeita, onde as boas reputações se contam nos dedos. Se duvidar, bastará uma das mãos. O “penso, logo voto [em Geraldo]” também levou a campanha a subestimar a necessidade do confronto, do enfrentamento. Quando o PCC fez o primeiro ataque em São Paulo, Alckmin caminhava para o patamar de 30% — e a disputa, para o segundo turno. Em vez de a campanha tucana deixar claro a quem servia, objetivamente, aquela ação, optou-se pelo Geraldo tocador de obras. Era o mais racional… O resultado está aí.
Não estou sendo engenheiro de obra feita. Podem olhar no arquivo do blog. Cada um dos pontos de vista que aqui vão é contemporâneo aos fatos, às ocorrências. Hora de desistir? Não sei vocês. Eu continuarei a encher o saco de Lula e do PT. É questão de escolher, como se dizia antigamente, a civilização ou a barbárie.