PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana
Imagem Blog

Reinaldo Azevedo

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

AOS TRÊS MINISTROS DO SUPREMO QUE AINDA NÃO VOTARAM: células-tronco embrionárias, a demonização do catolicismo e a ética reduzida ao puro pragmatismo

Ontem foi um bom dia para eu proclamar uma das minhas máximas: o verdadeiro negro do mundo é o macho, branco, pobre, heterossexual e… católico! Por que “verdadeiro negro”? Porque ainda é a forma mais fácil de ser oprimido — pelo menos até eu emplacar o meu movimento em defesa dos “indiodescendentes” brasileiros e expropriarmos […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 5 jun 2024, 20h38 - Publicado em 29 Maio 2008, 06h47

Ontem foi um bom dia para eu proclamar uma das minhas máximas: o verdadeiro negro do mundo é o macho, branco, pobre, heterossexual e… católico! Por que “verdadeiro negro”? Porque ainda é a forma mais fácil de ser oprimido — pelo menos até eu emplacar o meu movimento em defesa dos “indiodescendentes” brasileiros e expropriarmos a “aldeiola” — é a versão indígena do quilombola — de Ipanema. O católico está prestes a se tornar uma “minoria sociológica” no Brasil — embora seja uma esmagadora maioria numérica. Mas se nota, sobretudo em boa parte da imprensa, o óbvio: o que vem da Igreja Católica não serve e, necessariamente, oprime as liberdades. Um católico está no último degrau da cadeia alimentar ideológica — ou no primeiro, a depender de por onde se comece a olhá-la. O católico é sempre o primeiro indivíduo a virar ração dos predadores da cultura ocidental.

Por que digo isso? O ministro Carlos Alberto Direito foi o primeiro a fazer restrições à pesquisa com células-tronco embrionárias, ao menos na forma como ela está expressa na Lei de Biossegurança. Escrevo este texto antes de os jornais entrarem na Internet. Não vou mudá-lo depois. Mas intuo que repetirão o que as TVs não cansaram de martelar ao longo do dia: “Carlos Alberto Direito, ligado à Igreja Católica…” Ele não é “ligado” a coisa nenhuma. É católico, assim como outros, ministros ou não, são protestantes, budistas, agnósticos, ateus. A lembrança, claramente, buscava, ainda que de modo contido, deslegitimar o seu juízo, fazendo-o caudatário de uma “organização”, tratada quase como entidade secreta. E, no entanto, se estava falando daquela que é um dos pilares — não porque quero, mas porque é — da civilização ocidental.

Três outros ministros também fizeram restrições às pesquisas — Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Eros Grau. No caso deles, como nunca tiveram a “ousadia” ou o “topete” de se declarar crentes — nessa coisa tão exótica e estranha chamada Igreja Católica!!! —, não se procuraram razões escusas ou sub-reptícias para o voto. A determinação explícita, óbvia, escancarada, de demonizar a Igreja Católica ainda é maior do que a vontade de aprovar as pesquisas com células-tronco embrionárias. E, no entanto, eu lhes digo: ser católico não é ilegal, não é imoral e, creio, também não engorda: a gula é pecado.

A inveja que tenho dos sábios
Tenho algumas invejas nada agressivas, coisas leves mesmo: de quem sabe dirigir automóveis; de quem entende o jogo de beisebol; de quem anda em montanha russa… Sei que nunca farei nada disso. Só uma inveja realmente me corrói: a dos que estão certos de que a vida humana não começa na concepção. Invejo também a facilidade com que conseguem renunciar à lógica sem que se sintam flagrados numa falha intelectual. Explico-me.

Plante uma semente de laranja no útero de uma mulher, e, creio, o máximo que vai nascer ali é uma infecção. “Aquilo” — por ora, chamemos assim o embrião — que lá é depositado deve guardar as informações da espécie, ou não daria origem a um semelhante. “Aquilo”, para que frutifique (não emprego o verbo por acaso), precisa estar vivo. E ISSO NOS LEMBRA QUE AQUILO ADMITE PELO MENOS DOIS ESTADOS: VIVO E MORTO. Ninguém me acuse de estar dando “personalidade” àquilo, de estar fazendo vãs prosopopéias: até um pé de alface pode estar vivo ou morto, não é, senhores ministros? Acho que posso dar àquilo a nobreza que se dispensa a um pé de alface, não? Mas sigamos.

Continua após a publicidade

Se aquilo guarda todas as informações dos semelhantes de onde deriva, se aquilo se chama “embrião”, e se ele é um embrião humano, é preciso admitir que se está reivindicando a licença de, bem…, como dizer?, matar embriões humanos. Acho que não é, assim, tão chocante empregar para “aquilo” um verbo que cabe até às ervas daninhas: nós matamos ervas daninhas, afinal. Matamos até baratas. Logo, embriões também podem ser mortos — ainda que, à feição do ministro Ayres Brito, possamos preferir chamar aquilo de… sei lá, “aquilo”…

Essa tal vida humana
Acredito que a vida começa na concepção — e direi, adiante, por que isso, à diferença do que parece, nos protegeu ao longo da história e nos protege —, e se trata de uma posição bastante clara, de fácil compreensão. Sim, também é essa a opinião da Igreja Católica. Os cientistas e leigos favoráveis à pesquisa com embriões, obviamente, não podem concordar comigo ou com a Igreja — ou estariam admitindo a eliminação de vidas humanas para salvar… vidas humanas. Daí, então, o debate entre eles: “mas quando começa mesmo?” Bem, seja lá qual for o marco inicial que definam, indago: e que nome dar “àquilo” que vive — sim, é evidente que está vivo, ou não serve pra nada — entre a concepção e o que admitem ser o início da vida? Pré-vida? Semivida? Mais-ou-menos-vida? Quase-vida?

Se não têm uma resposta para a questão “quando começa a vida?’, preferem, igualmente, não dar nome nenhum “àquilo”. Aquilo é aquilo. E toda a argumentação se desloca, então, do que é uma questão ética para o universo do puro pragmatismo: “os embriões serão descartados mesmo; seu destino é o lixo”; “os embriões são considerados inviáveis depois de três anos” (há v��rios relatos demonstrando que não é assim): “os embriões não estão sendo produzidos para pesquisa; são a sobra do que é obtido para reprodução assistida”; “os casais não querem saber mais dos embriões”.

Continua após a publicidade

Observem, então, que o que requer uma definição ética se resolve apenas com respostas circunstanciais. Os quatro votos até agora favoráveis às pesquisas e contrários à ação de inconstitucionalidade fugiram da questão de princípio; dedicaram-se apenas às circunstâncias — à diferença dos quatro ministros que lhes fazem restrições: a estes, a questão de princípio interessou. Todo esse pragmatismo nos faz assim tanto bem?

De volta ao catolicismo
Volto à questão do catolicismo do ministro Direito, lembrado como uma “acusação”. Aquela periodização da história que opõe a Igreja Católica das trevas medievais às luzes que vieram antes (o helenismo) e que teriam vindo depois (o Iluminismo propriamente) é só uma tolice juvenil, que os professores de história insistem ainda hoje em inculcar nos estudantes. Boa parte das reservas à Igreja vem da suposição de que a religião tornou a vida da humanidade mais difícil; de que vida boa mesmo tinham os gregos e seu “antropocentrismo”, por exemplo — não é assim?

Na edição nº 1988 de VEJA, de 22 de dezembro de 2006, escrevi um longo texto intitulado “Somos todos cristãos”. A íntegra está aqui. Reproduzo um trecho:

Continua após a publicidade

“O sociólogo americano Rodney Stark sustenta que uma das raízes da expansão cristã é a caridade – elevada por Paulo à condição de primeira virtude. E a outra são as mulheres. Em The Rise of Christianity: a Sociologist Reconsiders History, Stark, professor de sociologia e religião comparada da Universidade de Washington, lembra que, por volta do ano 200, havia em Roma 131 homens para cada 100 mulheres e 140 para cada 100 na Itália, Ásia Menor e África. O infanticídio de meninas – porque meninas – e de meninos com deficiências era “moralmente aceitável e praticado em todas as classes”. Cristo e o cristianismo santificaram o corpo, fizeram-no bendito, porque morada da alma, cuja imortalidade já havia sido declarada pelos gregos. Cristo inventou o ser humano intransitivo, que não depende de nenhuma condição ou qualidade para integrar a irmandade universal. As mulheres, por razões até muito práticas, gostaram.

No casamento cristão, que é indissolúvel, as obrigações do marido, observa Stark, não são menores do que as das mulheres. A unidade da família é garantida com a proibição do divórcio, do incesto, da infidelidade conjugal, da poligamia e do aborto, a principal causa, então, da morte de mulheres em idade fértil. A pauta do feminismo radical se volta hoje contra as interdições cristãs que ajudaram a formar a família, a propagar a fé e a proteger as mulheres da morte e da sujeição.”

É impressionante que a média do pensamento que se quer crítico, que defende com tanta energia que a religião fique longe dos debates sobre a ciência, pense na Igreja Católica apenas como fonte de restrições e proibições. A instituição cometeu alguns desatinos ao longo da história (será que a ciência nunca cometeu nenhum?), mas o fato inegável é que a inviolabilidade da vida está entre as causas originais de seu fortalecimento, de sua expansão e de seu enraizamento nas camadas populares — especialmente, sim, as mais pobres. Querer transformar esse legado em nada mais do que obscurantismo é, vejam só, uma forma de obscurantismo. E uma burrice também, decorrente da falta de informação.

Continua após a publicidade

Concluo lembrando que outros embates virão pela frente — como o aborto de anencéfalos e, fatalmente, o aborto ele-mesmo. Considera-se a legalização dessas práticas um ato de liberdade, uma “modernização” da legislação. Temo, sim, pela violação de um princípio. Chegará o tempo em que definiremos, muito pragmaticamente, quais vidas merecem ser vividas — já que nos damos o direito de definir o que é ou não vida, ainda que se resista a dar um nome àquela “não-vida” que, se viva não fosse, de nada serviria?

Aos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello e Gilmar Mendes, uma modestíssima advertência: cuidado com o que há de trevas no pensamento dos monopolistas das luzes.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.