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Reinaldo Azevedo

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Ainda o seminário sobre as drogas, a mentira de um debate sem opositores e um artigo contra a descriminação

Escrevi ontem dois posts muito duros sobre um seminário sobre drogas que acontece em Brasília. Trata-se de um espetáculo de autoritarismo, independentemente da qualidade dos expositores. Porque o seminário, feito com dinheiro público, escolheu para falar pessoas de um lado só — ainda que possa haver divergências entre elas, inclusive de massa cinzenta. Luiz Eduardo […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h19 - Publicado em 4 Maio 2013, 06h18

Escrevi ontem dois posts muito duros sobre um seminário sobre drogas que acontece em Brasília. Trata-se de um espetáculo de autoritarismo, independentemente da qualidade dos expositores. Porque o seminário, feito com dinheiro público, escolheu para falar pessoas de um lado só — ainda que possa haver divergências entre elas, inclusive de massa cinzenta. Luiz Eduardo Soares, por exemplo, um dos expositores segundo leio no programa, é um dos homens mais inteligentes e articulados que conheço — o que não quer dizer que não discordemos em muita coisa. E há gente lá, que também conheço ainda dos bancos universitários, que já tinha os platinados colados na década de 1980 — de tanto queimar mato. Aliás, eu lamento ver Luiz Eduardo no mesmo seminário em que um delegado da Polícia Civil do Rio defende que a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas sejamlegalizados. Foi ovacionado! Isso transformaria o Brasil num pária internacional. Nem na Holanda é assim. Lamento ainda mais ter de ouvir uma professora de Direito Penal a declarar a inutilidade das leis.

Não, eu não estou contra debate nenhum! Acho que é pertinente o estado financiar um congresso sobre o assunto. Só não entendo por que tem de ser a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da Educação). E acho escandaloso, antidemocrático, absurdo mesmo!, que se façam debates só com pessoas que concordam no essencial — a descriminação ao menos do consumo — ainda que possam discordar de um aspecto ou outro.

Por que, por exemplo, para citar um caso, a professora de Direito Penal da USP, Janaina Conceição Paschoal, que é contrária à descriminação, não foi chamada? Cito um caso. Poderia citar outros. Paulo Gadelha, médico, presidente da Fundação Oswaldo Cruz,  um fanático da descriminação, está lá. E por que não Ronaldo Laranjeira ou Valentim Gentil, que pensam o contrário? Se pode estar lá um representante da “Marcha da Maconha”, por que não alguém que fale contra a marcha? Tenham paciência!

O estado brasileiro agora promove seminários em que a diferença é oficialmente banida? Venham cá: é lícito ao estado brasileiro promover, por exemplo, um happening sobre a descriminação do aborto e não chamar para o debate os que se opõem? Entidades privadas façam o que lhes der na telha, dentro do que a lei não proíbe. Mas o estado, não! Não é lícito, não é moral, não é ético — e, se formos olhar bem, não é também legal — investir recursos públicos numa “causa” que representa não mais do que a opinião da minoria extrema da sociedade brasileira.

Artigo
Falei da Professora Janaína Conceição Paschoal. Ela publicou, em 2011, na “Revista Criminal: Ensaios sobre a atividade policial”, um artigo sobre o binômio droga-violência. Abaixo, em azul, segue um trecho. A íntegra do texto está aqui.

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Um viés menos estudado na relação entre droga e violência diz respeito às consequências que o uso das drogas efetivamente traz para o indivíduo e, em que medida tal uso poderia levá-lo a praticar um crime. É bem verdade que há um sentimento popular de que a droga leva ao crime, mas existem poucos trabalhos, ao menos no Brasil, abordando essa relação.

De certa forma essa falta pode ser atribuída ao temor de estigmatizar ainda mais o usuário de drogas, historicamente tratado como criminoso e, em abordagens mais radicais, como financiador do tráfico e de todos os crimes que circundam essa atividade. Esse temor é procedente, mas não pode justificar o não enfrentamento do problema. Primeiramente, é importante consignar que nem todo usuário de droga pratica crimes .

Apesar de ser difícil quantificar, poder-se-ia até admitir que apenas uma minoria dos usuários de drogas comete crimes; contudo, não se pode negar que grande parte dos condenados pela prática de crimes tem problemas sérios com drogas. Em outras palavras, as drogas nem sempre são seguidas por crimes; já os crimes, em grande medida, estão ligados às drogas. Negar essa realidade é negar a necessária busca por soluções do problema.

Segundo David Deitch e Igor Koutsenok, as drogas podem ensejar a prática de crimes nas seguintes circunstâncias: 1) o mecanismo farmacológico estimulante das drogas enseja comportamento violento; 2) algumas drogas geram alucinações, que fazem com que os usuários reajam acreditando estar em uma situação de perigo; 3) vários usuários acabam cometendo crimes para obter dinheiro para comprar a droga e sair da abstinência; 4) a violência doméstica está fortemente correlacionada com álcool e outras drogas; 5) traficantes, não usuários, matam em virtude das dívidas de que são credores.

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No que toca aos crimes violentos, esses autores são categóricos ao aduzir que a principal droga de risco é o álcool , seja pelos efeitos sedativos, que geram erros de julgamento, seja pelos efeitos desinibitórios, que levam à prática de atos ilegais, como estupro de crianças .

Pesquisando-se, nos sítios especializados em drogas, a relação entre drogas e violência, são achados estudos que tratam mais do álcool do que qualquer outra droga. A título de exemplo, cita-se o sítio do CEBRID (Centro Brasileiro de Informações Sobre Drogas Psicotrópicas), ligado à UNIFESP, que foi responsável por um interessante estudo, que mostra que o crack leva os homens a praticar crimes contra o patrimônio para poder adquirir a droga, enquanto as mulheres são empurradas à prostituição para o mesmo fim .

Levantamentos do próprio CEBRID, não relacionados à violência, apontam que 90% (noventa por cento) das internações dizem respeito ao álcool, destacando-se que o mesmo órgão atesta que a sensação do problema das drogas é mais drástica do que a realidade. O argumento de que o álcool é mais presente em cenas de crimes que qualquer outra droga, muita vez, é lançado como fundamento para criticarem-se iniciativas repressivas, sugerindo-se uma total descriminalização.

Independentemente do acerto, ou não, de tais ponderações, tem-se que a maior relação do álcool com o crime em nada infirma a necessidade de enfrentar a ligação existente entre crime e a dependência de drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas. Estudos recentes, do Centro de Tratamento de Dependência de San Diego, ligado à Universidade da Califórnia, mostram que políticas públicas que focam o tratamento da dependência química em criminosos ajudam na prevenção da violência, sobretudo no que tange à reincidência.

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O fim de não estigmatizar o usuário não pode justificar negar os benefícios de tratar os criminosos condenados que têm problemas com drogas, seja por questões de saúde pública, seja por força da segurança pública. É importante destacar que, nesta oportunidade, não se está a advogar as medidas adotadas por alguns juízes, no Brasil. Não se está a falar do encaminhamento a grupos de auto-ajuda como meio de evitar a pena privativa de liberdade, o que é salutar, mas não é suficiente.Está-se defendendo a necessidade de enfrentar justamente o envolvimento dos condenados presos com as drogas, tratando-os, até como meio de prevenção à reincidência.

A novidade desses recentes estudos reside no fato de que os tratamentos sugeridos estão mais pautados no aprendizado de como viver sem usar drogas do que na administração de medicamentos. Na Califórnia, tem-se trabalhado bastante com as técnicas da psicologia cognitiva, ou comportamental, por meio da qual foca-se um problema determinado e treina-se o indivíduo com o fim de que possa conviver com ele .

Nessa técnica, não importa determinar se aquele indivíduo primeiro entrou no mundo do crime, para depois abraçar as drogas; ou se primeiramente entrou no mundo das drogas para ser levado ao crime. Toma-se como verdade que existe uma relação entre esses dois mundos e que treinar esse indivíduo para abandonar a droga, automaticamente, o auxilia a não voltar a praticar crime.

Idealizadores do tratamento da dependência de drogas em presos como medida de redução da criminalidade, David Deitch e Igor Koutsenok ponderam que criminosos usuários de drogas frequentemente reincidem logo depois de serem libertados da prisão, não só por causa de fatores biológicos resultantes da dependência, mas também por causa de comportamentos aprendidos, o que normalmente é desconsiderado .

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É bastante interessante a observação de que muitas vezes o sujeito se torna mais dependente do estilo de vida criminoso do que da própria droga . Na verdade, a droga faz parte desse estilo, sendo por isso que grande parte dos estudiosos aponta que a delinquência precede à adição às drogas pesadas .

Esses mesmos autores, apesar de reconhecerem que a delinquência é um grande fator de risco para o uso de drogas, dentre os fatores de risco para o ingresso no mundo do crime, listam a manipulação, a impulsividade, a baixa tolerância à frustração, a necessidade de perigo, a identificação com criminosos, o tédio com atividades convencionais, a dependência de adrenalina. O histórico de uso de drogas é apenas um dos fatores que podem levar ao crime.

Ao defender a implementação de tratamento dos problemas relacionados às drogas nos presídios, os autores enfrentam questões éticas como a referente à ausência de tratamento suficiente para as pessoas que estão em liberdade, pois, uma vez que os recursos são escassos, poder-se-ia alegar que tratar os condenados implicaria privilegiar quem praticou um crime em prejuízo de quem observa a lei. A um eventual questionamento de tal ordem, os autores consignam que tratar a dependência nessas pessoas implica um benefício para toda a sociedade, pois tem repercussão direta na reincidência.

No sistema penitenciário, o cenário atual, não só no Brasil, é de total abandono, sendo sugestivo lembrar as palavras de Roy Murillo Rodríguez, no sentido de que a prisão está para o drogadicto como a confeitaria está para o diabético . Essa constatação também leva alguns autores a consignarem que a repressão às drogas não se justifica, sendo forçoso trabalhar com a ideia de uma total descriminalização, pois o pequeno traficante que para a prisão é enviado fica em constante contato com as drogas, piorando sua situação.

Ora, ainda que tais assertivas se mostrem coerentes, como dito, a hipótese da total descriminalização do tráfico é bastante improvável. Se há pesquisas a mostrar que tratar a drogadição dos presos reduz a reincidência parece razoável pensar a esse respeito.
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